De um modo geral, sabe-se que na hipótese de inadimplemento quanto ao pagamento de um tributo, o ente público credor, por meio de seus procuradores públicos, dispõe da prerrogativa de cobrar a quantia judicialmente, por meio da propositura da execução fiscal, utilizando-se, para tanto, da CDA (Certidão de Dívida Ativa), que consiste em um título executivo extrajudicial.
Tal possibilidade não impede, porém, que sejam utilizados os denominados meios de cobrança indiretos, como a inscrição em cadastros próprios de inadimplentes (Cadin), a expedição de certidões positivas de débitos e, também, o protesto extrajudicial da CDA.
Tido como meio relativamente moderno de cobrança indireta, porquanto permitido pela Lei nº 12.767/2012, que incluiu o parágrafo único ao artigo 1º da Lei nº 9.492/1997 (para inserir, dentre os títulos sujeitos a protesto, as certidões de dívidas ativas da União, dos estados, do DF, dos municípios, das autarquias e das fundações públicas), nada mais é do que o ato por meio do qual a Fazenda Pública leva ao competente cartório um documento legítimo que representa o seu crédito, cobrando-o indireta e extrajudicialmente do devedor, com efeitos perante a sociedade (erga omnes).
Denota-se que ao permitir o protesto da CDA, a legislação viabilizou a utilização de um mecanismo de coerção menos invasivo, que não gera a constrição patrimonial forçada, tal como ocorre na ação de execução fiscal. Tal via, em tese, pode facilitar a recuperação das dívidas de forma mais rápida e com menos custo, sobretudo porque, a depender das circunstâncias, a via judicial pode se tornar desnecessária.
Questionado tal mecanismo perante o STF, restou fixada pelo Plenário, ao julgar a ADI nº 5.135/DF, a seguinte tese: "O protesto das Certidões de Dívida Ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política".
No âmbito do STJ, ao julgar o REsp nº 1.686.659/SP (Tema nº 777), restou assim resolvida a controvérsia repetitiva (para os fins dos artigos 1.036 e seguintes, CPC): "A Fazenda Pública possui interesse e pode efetivar o protesto da CDA, documento de dívida, na forma do art. 1º, parágrafo único, da Lei 9.492/1997, com a redação dada pela Lei 12.767/2012".
Todavia, embora o protesto da CDA busque concretizar, dentre outros, os princípios constitucionais da eficiência (artigo 37, caput, CF) e da proporcionalidade, importantes cautelas devem ser observadas pelas Fazendas Públicas ao lançar mão de tal mecanismo indireto de cobrança.
Isto porque, especialmente no âmbito dos municípios, boa parte não dispõe de cadastros e sistemas de informática atualizados, o que pode ocasionar protestos de CDAs equivocados (em face de pessoas que não são mais devedoras) ou, até, de dívidas já parceladas ou prescritas.
Embora seja compreensível que muitas vezes os mecanismos burocráticos não consigam acompanhar a velocidade do dinamismo social, adotar cuidado redobrado quanto à fidedignidade das informações atinentes à realidade fática das situações jurídicas mostra-se salutar às Fazendas Públicas, sobretudo porque, a depender do caso, pode afetar outras esferas de direitos personalíssimos, com possíveis repercussões no Poder Judiciário.
Ademais, considerando que o protesto ocasiona efeitos negativos ao nome do devedor perante a sociedade, o comprometimento de sua credibilidade, na hipótese de pagamento da dívida [abrangendo os emolumentos e demais custos envolvidos], não pode perdurar por prazo superior a cinco dias úteis após o adimplemento, demandando, para tanto, a entrega da carta de anuência ou documento equivalente para o cancelamento do protesto, sob pena de caracterização de possíveis danos morais. Nesse sentido, já se posicionou a jurisprudência:
"STJ (Superior Tribunal de Justiça)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROTESTO DE TÍTULO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. BAIXA DO PROTESTO. INCUMBÊNCIA QUE, EM REGRA, CABE AO DEVEDOR. MATÉRIA JULGADA SOB O REGIME DO ART. 543-C DO CPC. HIPÓTESE EM QUE O CREDOR NÃO DEVOLVE O TÍTULO DE CRÉDITO OU NÃO ENTREGA A CARTA DE ANUÊNCIA. RESPONSABILIDADE DO CREDOR PELA MANUTENÇÃO INDEVIDA DO PROTESTO. SÚMULA 7/STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
(...)
- Em regra, 'No regime próprio da Lei nº 9.492/1997, legitimamente protestado o título de crédito ou outro documento de dívida, salvo inequívoca pactuação em sentido contrário, incumbe ao devedor, após a quitação da dívida, providenciar o cancelamento do protesto'. (REsp 1339436/SP. rel. ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, 2ª SEÇÃO, julgado em 10/9/2014, DJe 24/9/2014).
- Na hipótese, o credor deverá ser responsabilizado pela manutenção indevida do nome do devedor no protesto de título, uma vez que não devolveu o título ou a carta de anuência, documentos necessários ao cancelamento da negativação.
- A análise da pretensão recursal sobre a alegada disponibilização da carta de anuência e eventual desídia do devedor encontra óbice no enunciado da Súmula 7/STJ" (AgRg no REsp nº 1.289.729/PR, 4ª Turma. rel. min. LUIS FELIPE SALOMÃO. Julgamento: 23/2/2016. DJe 2/3/2016).
Com efeito, a adoção de rápidas providências pressupõe que as Fazendas Públicas tenham sido adequadamente estruturadas para tanto, com sistemas de informática e meios de comunicação céleres com o respectivo cartório, denotando, pois, organização e planejamento anteriormente idealizados.
Além de repercussões quanto a reparação de possíveis danos em caso de equívocos, antes do protesto propriamente dito podem ocorrer ações judiciais cautelares para a sustação ou impedimento do respectivo registro e, após, outras para a suspensão de seus efeitos.
Não se desconhece, ainda, a plausibilidade de não se permitir o parcelamento da dívida durante o intervalo entre a seleção do débito para protesto pelo Cartório e a sua efetivação, lapso que, à evidência, deve ser exíguo para não comprometer o regular exercício de direitos do devedor.
Dados tais contornos é que se mostra preconizado contar com a assessoria prévia das Procuradorias Públicas quanto aos aspectos jurídicos inerentes à utilização do protesto da CDA, até porque tal mecanismo, a despeito de suas inegáveis vantagens práticas, não interrompe a prescrição e se revela inócuo para a constituição do devedor em mora, uma vez que o CTN (Código Tributário Nacional) apresenta disposição específica quanto às obrigações tributárias:
"Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária."
Sobre a temática, merece destaque o ensinamento SABBAG (2014, p. 967) ao tratar da relação entre mora e protesto de CDA:
"Um ponto importante a destacar recai na discussão doutrinária sobre o protesto da CDA em Cartório, como medida demarcatória dos juros de mora. Temos percebido que o protesto, além de evidenciar uma medida excessiva, é de todo desnecessário, pois a mora do contribuinte, demarcando-se o termo a quo à aferição dos juros de mora, não está a depender do protesto do título. (...) Nessa medida, não vemos por que “protestar” para induzir o devedor em mora" (destacamos).
À guisa de esclarecimento, ainda vale frisar que o protesto da CDA não se confunde com o protesto judicial previsto no artigo 174, parágrafo único, II, CTN, instrumento legal que embora permite interromper a prescrição, apresenta-se atualmente praticamente inutilizado, porquanto absorvido pelos outros meios descritos nos demais incisos do mesmo dispositivo legal.
Destaca-se, nesta ordem de ideias, a doutrina de ALEXANDRE (2021, p. 928), ao anotar que: "qualquer medida judicial adotada pelo credor, demonstrando que não está inerte e que deseja receber o valor lançado, constituirá em mora o devedor, restituindo ao credor o prazo prescricional na sua integralidade".
Nesta trilha, parece ser mais prática, realmente, a propositura direta da ação de execução fiscal, condensando, na mesma medida, maior utilidade e economia processuais.
À luz das nuances acima é que se espera que as Fazendas Públicas possam se estruturar de modo adequado para cobrar os valores que lhes são devidos, contando com procuradorias municipais organizadas, com o apoio de sistemas de informática e meios céleres de comunicação com órgãos externos, sem descuidar dos direitos e garantias fundamentais dos contribuintes, cujo respeito exige, dentre outros aspectos, prévio planejamento e adoção das cautelas necessárias.
Referências:
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 15. ed. rev., atual e ampl. – Salvador: JusPodivm, 2021. p. 928.
BRASIL. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. D.O.U de 27/10/1966, pág. nº 12.452.
BRASIL. Lei n. 9.492, de 10 de setembro de 1997.
Define competência, regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida e dá outras providências. D.O. de 11/09/1997, p. 20.152.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
Autores:
Richard Bassan é advogado e procurador municipal, mestrando em economia e mercados e master in business administration em tecnologia para negócios: AI, Data Science e Big Data, mestre em Direito na linha de empreendimentos econômicos, processualidade e relações jurídicas, pós-graduado em finanças, investimentos e banking, pós-graduado em Direito Ambiental, pós-graduado em Direito Privado, ex-procurador do município de Embu das Artes (SP), especialista em proteção e defesa do consumidor pela fundação Procon do estado de São Paulo, advogado pleno na Igreja Universal do Reino de Deus, advogado pleno em consultoria jurídico-empresarial e professor de banca de concursos públicos.
Alexandre Beluchi é advogado e procurador municipal, pós-graduado em Direito Público "latu sensu" com ênfase em Direito Processual Tributário, ex-secretário executivo do Fórum dos Procons do estado de SP, ex-procurador-geral do município de Franco da Rocha (SP), presidente de Comissão Processante, palestrante, professor de cursos preparatórios para concursos públicos e ex-membro de banca de concursos públicos.
Fonte: ConJur