De acordo com o artigo 1.831 do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente, independentemente do regime de bens adotado, terá o direito de permanecer residindo no imóvel que servia de moradia ao casal. É o chamado direito real de habitação. Da mesma forma, conforme enunciado nº 117 das Jornadas de Direito Civil e por força do parágrafo único do artigo 7º, da Lei 9.278/96, também é estendido aos conviventes tal possibilidade. Na sua gênese, o direito real de habitação visa consagrar o princípio da solidariedade familiar e mútua assistência, de molde que o(a) viúvo(a) não fique ao desamparo após a morte de seu companheiro.
Via de regra, não há qualquer limitação temporal para a fruição deste direito (podendo, portanto, detê-lo de maneira vitalícia) e, de acordo com a jurisprudência pátria, também não é necessário que seja o único imóvel a inventariar. Ainda, de acordo com o mencionado artigo do codex civil, o direito real de habitação não prejudica, em nada, a participação do cônjuge/companheiro naquilo que lhe caiba na herança (ou seja, não terá seu quinhão/meação reduzido).
Ressalta-se que a norma deve ser exercida pelo seu titular, ou seja, deve ser o direito requerido (nos autos do inventário) por aquele que o detenha. Da mesma forma, nada impede que o cônjuge supérstite contraia novas núpcias, forme uma nova família e permaneça residindo no bem (neste ponto, vale ressaltar que o Código Civil de 2016 limitava o exercício do direito apenas “enquanto durar a viuvez”). Nessa linha, ainda, que é vedada a transferência da posse para terceiras pessoas (seja de forma gratuita ou onerosa), devendo, portanto, permanecer residindo no imóvel.
Ocorre que, não raras vezes, a situação instaurada pode causar verdadeira assimetria ou desproporcionalidade entre os demais herdeiros e o cônjuge sobrevivente. Na lei, não há claros limites ao direito real de habitação. Para tanto, vem a jurisprudência analisando caso a caso acerca da possibilidade ou não de balizar a sua concessão, de molde a evitar verdadeiro desserviço que pode dele decorrer.
Nessa linha, os Tribunais têm decidido que o direito real de habitação do cônjuge supérstite pode ser afastado quando há outros coproprietários do bem em questão, ao fundamento de que não pode ser limitado o direito de propriedade dos demais. Vale referir que tal limitação decorre de condomínio instaurado antes do óbito, e não em decorrência da partilha. Nestes casos, o direito real de habitação encontra claro refreio no direito de propriedade de terceiros.
Nesse sentido, cita-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO CÍVEL. IMISSÃO DE POSSE. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DE CÔNJUGE SUPÉRSTITE. AFASTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE LIMITAR O DIREITO DE PROPRIEDADE DO COPROPRIETÁRIO E FILHO DA FALECIDA. SENTENÇA CONFIRMADA. Descabido o pleito de reconhecimento do direito real de habitação, pois implicaria em limitação ao direito de propriedade de José Mário T.C., pessoa legítima para reaver a posse de imóvel que lhe é próprio na condição de proprietário, nos termos do artigo 1228 do CC, e de sucessor, eis que filho da falecida. Apelação desprovida, por maioria.[1]
Da mesma forma, existem diversos precedentes do Superior Tribunal de Justiça no sentido de não ser justificável alijar os coproprietários em detrimento do direito do supérstite, ao fundamento de que “o condomínio formado pelos irmãos do falecido preexiste à abertura da sucessão, pois a copropriedade foi adquirida muito antes do óbito do marido da recorrida, e não em decorrência deste evento.”[2].
Ainda, em uma situação hipotética, sugere o professor Cristiano Chaves de Farias outra possibilidade de restringir o direito real de habitação: uma pessoa falece, deixando filhos menores do primeiro casamento (a quem prestava alimentos para sobrevivência) e a viúva e, como patrimônio, possuía apenas um único imóvel (adquirido anteriormente ao relacionamento e onde residia com a consorte). Neste caso, embora os filhos sejam herdeiros e possuam direitos sobre o referido bem, a viúva continuará nele residindo até que venha a falecer (e, inclusive, poderá constituir nova relação afetiva e lá residir com seu novo parceiro)[3].
Neste quadro, sugere o doutrinador que seja afastada, de maneira pontual e casuística, a norma aplicável (ou seja, artigo 1.831 do Código Civil), de molde a solucionar de maneira adequada e razoável o caso delineado. Logo, na situação aqui posta, poderia não ser concedido à viúva o direito real de habitação, de modo que todos os herdeiros (filhos e viúva) possam utilizar do patrimônio e dele extrair frutos (aluguel, venda, etc.).
Como se vê, poucos são os limites aplicáveis ao direito real de habitação. De acordo com a jurisprudência pátria, quando há condomínio anterior ao óbito, não há como se conceder o direito de habitação ao supérstite. Da mesma forma, sugere a doutrina que, sendo o único imóvel a inventariar e, do falecido dependerem, financeiramente, os filhos menores, poderia ser afastada a norma em questão.
Além disso, conforme dispõe o Código Civil atual, o direito de habitação somente se extinguirá com a morte do cônjuge beneficiário e, da mesma forma, como não é um direito indisponível, poderá extinguir-se com a renúncia do seu titular. Frise-se que a existência de outros bens imóveis (seja de titularidade do supérstite seja bens a inventariar) não afasta o direito de habitação. E isso porque o objetivo do instituto é, para além de permitir que o consorte sobrevivente permaneça a residir no imóvel que servia de residência ao casal e concretizar o direito constitucional à moradia, atender questões de ordem social e humanitária, vez que há a existência de vínculo afetivo-psicológico estabelecido pelo casal com o imóvel no qual, no curso da convivência, estabeleceram verdadeiro lar.[4]
Por fim, ressalta-se que o objetivo do direito real de habitação em favor do cônjuge/companheiro sobrevivente é de garantir a qualidade de vida do viúvo e evitar que o óbito de um dos consortes sirva para afastar o outro do imóvel que serviu de residência ao casal. Por este motivo é que o direito de habitação não depende do direito à meação ou do direito à herança, ou seja, mesmo de o cônjuge/companheiro sobrevivente não seja meeiro ou herdeiro. Consequentemente, mesmo que não tenha nenhum direito sobre o imóvel, lhe será assegurado o direito de ali permanecer residindo (até a sua morte), sendo esta uma regra visivelmente protecionista[5].
Fonte: Consultor Jurídico