Anoreg/PR conversa com a juíza do CNJ, Carolina Ranzolin Nerbass, sobre a extrajudicialização de divórcios e inventários envolvendo menores

Anoreg/PR conversa com a juíza do CNJ, Carolina Ranzolin Nerbass, sobre a extrajudicialização de divórcios e inventários envolvendo menores

No dia 27 de agosto de 2024, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução 571 autorizando a extrajudicialização de divórcios e inventários, mesmo em casos que envolvam filhos menores e testamentos. Para aprofundar o impacto desta medida, a Anoreg/PR conversou com a juíza auxiliar do CNJ, Carolina Ranzolin Nerbass, que destacou a importância dos cartórios na implementação desta normativa.

O novo texto altera a Resolução CNJ 35/2007, responsável por disciplinar os atos notariais relacionados a inventário, partilha de bens, separação consensual, divórcio consensual e extinção consensual de união estável por via administrativa. Com a Resolução n. 571/2024, o processo de extrajudicialização desses atos foi ampliado.  

Mudanças em 2025: como os cartórios se adaptam aos novos regulamentos relacionados ao direito de família?

As decisões proferidas em 2024 trouxeram grande repercussão em temas relacionados ao direito de família. As deliberações impactaram a vida de muitos cidadãos e estabeleceram novos parâmetros para o setor extrajudicial. Entre as decisões estão as novas abordagens sobre a partilha de bens em divórcios e uniões estáveis, critérios mais equilibrados para a decretação da prisão civil em casos de inadimplência de pensão alimentícia e o fortalecimento do reconhecimento da filiação socioafetiva.

Nos últimos anos, o fortalecimento da via extrajudicial tem permitido que cidadãos acessem serviços sem a necessidade de acionar o Poder Judiciário, reduzindo a sobrecarga dos tribunais e promovendo maior efetividade na solução de questões familiares, patrimoniais e sucessórias.

A extrajudicialização, autorizada por legislações e resoluções específicas, ampliou o alcance destes procedimentos. As novas normativas também exigem mudanças estruturais nas práticas dos cartórios, que devem se adequar para atender a uma sociedade em constante evolução e estar preparados para lidar com essas novas demandas.

Em 2024, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu um precedente para o reconhecimento de vínculos maternos em uniões homoafetivas. Por unanimidade, o colegiado decidiu que é possível presumir a maternidade de uma mãe não biológica em casos de inseminação artificial “caseira”, quando realizada no contexto de uma união estável entre pessoas do mesmo sexo. O processo, mantido em segredo de justiça, teve a relatoria da ministra do STJ, Nancy Andrighi, que destacou a importância de reconhecer os laços familiares formados a partir do afeto e da convivência, independentemente da origem biológica.

A decisão traz implicações para os procedimentos dos cartórios de Registro Civil, que sugere que a presunção de parentalidade — até então, predominantemente aplicada em uniões heteroafetivas — também deve ser estendida a casais homoafetivos, fazendo com que ampliem a necessidade de adequação prática e normativa para assegurar que casais homoafetivos possam registrar seus filhos com os mesmos direitos e condições de casais heteroafetivos. Os cartórios deverão revisar práticas que antes exigiam documentação formal para estabelecer vínculos parentais, considerando agora o contexto de convivência e o compromisso familiar demonstrado pelo casal.

Confira a entrevista completa abaixo.

Anoreg/PR - Quais são os impactos práticos da Resolução CNJ n. 571/2024 na extrajudicialização de divórcios e inventários, especialmente nos casos que envolvem menores ou testamentos? Como isso pode fortalecer a atuação dos cartórios?

Carolina Ranzolin Nerbass - A Resolução CNJ n. 571/2024, que alterou a Resolução CNJ n. 35/2007, foi proposta diante da necessidade de ampliar o programa estatal que estimula, no ordenamento jurídico pátrio, mecanismos inovadores e capazes de prover a solução dos conflitos no Brasil com maior eficiência e celeridade, tendo como premissa a evidente impossibilidade material de se admitir que a administração da Justiça deva ser prestada exclusivamente por juízes togados.

Essa conceituação insere-se no chamado fenômeno da “desjudicialização”, que é global e visa a promoção de conflitos sem que haja a compulsoriedade do ingresso de ação perante a esfera judicial, claramente sobrecarregada. Assim, objetivando proporcionar uma ampliação de mecanismos de resolução de conflitos e distribuição da Justiça, o ideal é promover a implementação efetiva da “Justiça Multiportas”, notadamente em questões que não envolvem litígio, como é o caso do inventário, ainda que envolvendo testamento, partilha, divórcio e extinção da união estável de forma consensual.

Nesse contexto, incluir a possibilidade de realizar, no serviço extrajudicial, inventário e divórcio consensual ainda que exista interesse de menores e incapazes, com os devidos cuidados e atenção que essas partes devem ter, como a manifestação obrigatória do Ministério Público e a garantia do recebimento da sua parte ideal da partilha, tem impacto altamente positivo, que é sentido principalmente pelos interessados com a maior agilidade e menor custo para a satisfação de suas pretensões. Além de evidentemente fortalecer a atuação do serviço extrajudicial, que possui capacidade técnica e capilaridade para poder dar vazão adequada a esse tipo de demanda da sociedade.

Anoreg/PR -  A Resolução CNJ 571/2024 estabelece o consenso como requisito essencial para inventários e divórcios extrajudiciais. Em sua visão, como os cartórios podem contribuir para mediar conflitos e promover acordos justos entre as partes?

Carolina Ranzolin Nerbass - Conforme já mencionei, o serviço extrajudicial brasileiro possui profissionais altamente capacitados, que passam por um rigoroso processo de seleção através de concurso público de provas e títulos, o que os qualifica para mediar os interesses das partes, principalmente para que sejam garantidos os direitos de menores e incapazes, no caso de inventários e partilha que os envolvam. Também notários e registradores podem atuar como mediadores e conciliadores no caso de a demanda envolver algum tipo de conflito para solucioná-lo. Esses mecanismos incrementam a trazem mais importância à atividade extrajudicial, o que vem se tornando cada vez mais comum diante das modificações legislativas mais recentes que vêm transferindo para o serviço extrajudicial diversas demandas no sentido de agilizar as soluções possíveis e desafogar o Poder Judiciário.

Anoreg/PR - A nova resolução representa um avanço na agilidade e na acessibilidade dos processos familiares. Contudo, quais medidas podem ser adotadas para capacitar os profissionais de cartórios no atendimento a casos mais sensíveis e complexos, como os que envolvem menores?

Carolina Ranzolin Nerbass - Os notários, que são os responsáveis por lavrar as escrituras públicas de partilha envolvendo partes incapazes e/ou menores, devem ter total conhecimento do seu limite de atuação, cumprindo-lhes verificar em cada caso concreto se a parte ideal do quinhão hereditário de todos os bens a que tem direito o incapaz e/ou do menor foi respeitado na partilha, ou seu os seus pais, no caso de divórcio, cumpriram a obrigação de definir, com antecedência no juízo competente, as questões referentes a guarda, visita e pensão. Também tomar as medidas necessárias para obter a manifestação do representante do Ministério Público. Para tanto, medidas de capacitação são necessárias, com a frequência em cursos que discutam esses temas, atualização constante legislativa e jurisprudencial, bem como estudos de matérias afetas a esses assuntos.

Anoreg/PR - Como o CNJ avalia o papel dos cartórios em assegurar a ética e a transparência nesses procedimentos?

Carolina Ranzolin Nerbass - O histórico da atuação dos notários e registradores nesse movimento de extrajudicialização, que já acontece há alguns anos com os divórcios e partilhas consensuais, com a usucapião e a adjudicação compulsória extrajudiciais, com o reconhecimento da paternidade, modificação de nome e gênero extrajudiciais, dentre outros procedimentos, vem sendo muito positiva, observando-se a atuação com ética, responsabilidade e, principalmente, com a observância da garantia da segurança jurídica, principal motivo da existência do serviço extrajudicial.

Anoreg/PR - A necessidade de consenso nos processos de inventário extrajudicial reduz a sobrecarga do Judiciário. Qual é a visão do CNJ sobre o impacto dessa medida no fortalecimento da cultura de acordos no Brasil?

Carolina Ranzolin Nerbass - A cultura em se resolver uma contenda judicial através de métodos alternativos de solução de conflitos vem sendo cada vez mais disseminada, ampliada e aplicada no Sistema de Justiça brasileiro, envolvendo tanto o Foro Judicial quanto o Foro Extrajudicial.

Essa ampliação é extremamente salutar, notadamente quando franqueada à atividade extrajudicial, no sentido de diminuir o acúmulo gigantesco de processos que impedem a finalização da prestação jurisdicional. É necessário que existam mais mecanismos envolvidos na resolução dos conflitos em prol da rapidez com eficiência e satisfação das pretensões, com menos custos para o Estado, para que este possa se dedicar com mais afinco à administração da Justiça para as demandas que efetivamente necessitam da tutela jurisdicional.

Fonte: Assessoria de Comunicação da Anoreg/PR