Fontes do direito notarial e registral (vigésima-sexta parte)

Des. Ricardo Dip

         Na sequência deste nosso capítulo sobre as fontes do direito notarial e registral, dedicando-nos, nas mais recentes exposições, ao tema do costume, depois de defini-lo e de especificar, no costume em geral, o costume jurídico, indicamos seus elementos essenciais, a saber: o uso e a convicção de obrigatoriedade da conduta.

         Na explanação de hoje, veremos que, segundo alguns autores, haveria outros requisitos para o costume jurídico.

         Seguindo as trilhas de José de Oliveira Ascensão (1932-2022) −O direito -Introdução e teoria geral (ed. Verbo, 4.ed., Lisboa, 1987), a cujas opiniões neste passo aderimos, quatro seriam os «pretensos requisitos» do costume jurídico:

•        a consagração legal

•        a imposição pela potestade pública

•        a racionalidade

•        a espontaneidade.

         Já vimos, na exposição imediatamente anterior à hoje, que uma das correntes teóricas acerca do costume jurídico o tem na conta de uma espécie de «petição» para que se reconheça pelo poder público. Lembramos que essa é uma concepção adotada pela Código de direito canônico de 1917, indicando que o costume só adquiriria «força de lei» em virtude do consentimento da autoridade.

         Mas o acolhimento dessa tese redundaria em que, no fim e ao cabo, seria só a lei e não o costume a fonte do direito.

         Na mesma linha, exigir, para reconhecer o costume jurídico, sua imposição pelo poder público −ou, em outras palavras, a ideia de a coercibilidade ser essencial ao direito− deslocaria para a lei ou a execução da lei a fonte do direito, já não se vendo motivo para falar em costume.

         A exigência de racionalidade do costume não é diversa da mesma exigência quanto às leis. No ensinamento de Oliveira Ascensão: «(…) o costume tem de ser conforme ao Direito Natural, como todo o elemento da ordem jurídica». Assim, a racionalidade −no sentido apontado por Oliveira Ascensão− não é uma característica particular do costume, senão que «um momento de tudo o que é jurídico: também a lei deve ter racionalidade. Portanto, mesmo aceitando o que há de verdadeiro na racionalidade, não encontramos um novo requisito do costume».

         Vejamos o que, a propósito, ensinou S.Isidoro de Sevilha (circa 560-636), nas Etimologias:

«1. Direito é um nome genérico; <lei> é um aspecto concreto do direito. Chama-se <direito> porque é justo. Todo direito está integrado por leis e costumes. 2. <Lei> é uma disposição escrita. <Costume> é uma prática abonada pela antiguidade, é dizer, vem a ser uma lei não escrita. <Lei> deriva de <ler>, já que está redigida. 3. O costume, em vez disso, é uma prática de larga tradição e referida unicamente aos usos. O costume, portanto, é uma espécie de direito instituído pela prática e utilizado como lei quando esta não existe. E não importa que uma norma tenha sua base na escritura ou só na razão, já que a razão é o que abona qualquer lei» (V, 3).

         Por último, a espontaneidade tampouco é requisito do costume, na medida em que se abrange pela convicção da obrigatoriedade. É certo que o costume surge sem imposição do poder, e nesse sentido poderia falar-se em algo próximo da «espontaneidade», mas surge como uma necessidade moral e não como algo necessário segundo a natureza. Conclui muito bem Oliveira Ascensão: «Se uma prática resulta de mera imposição, não há ainda convicção de obrigatoriedade, e não há portanto costume».

         Na próxima semana, Deus mediante, examinaremos a relação entre lei e costume.