Fontes do direito notarial e registral (vigésima-quinta parte)

Des. Ricardo Dip

          Dando sequência ao exame do tema dos «costumes» como fonte do direito em geral e, em particular, fonte do direito notarial e registral, passemos agora a tratar dos elementos essenciais do costume.

         Pois bem, embora possa dizer-se pacífica a admissão do uso na essência do costume, não se pode a mesma coisa dizer quanto ao tema do elemento subjetivo, a opinio iuris vel necessitatis, que, no entanto, foi a posição dominante no direito romano, nas Partidas de Alfonso X e no mais longevo direito canônico.

         O uso pode conceituar-se a repetição frequente de atos semelhantes. Para o que nos interessa, ou seja, o uso social, que compreende o uso jurídico, é ele a reiteração comunitária frequente de atos similares. Pode falar-se aí em uma prática social reiterada e uniforme.

         Não há costume, sem uso. Então, o uso é elemento essencial do costume.

         Todavia, pergunta-se: bastaria uma prática social frequentemente repetida para se ter já o costume? No sentido afirmativo, concebeu-se uma teoria −chamada objetiva ou material− que teve como um dos grandes líderes Francesco Ferrara (1810-1900), para quem o costume não necessita de um elemento psicológico, sendo suficiente extrair da esfera factual seu conteúdo normativo.

         Em contraposição, a escola histórica sustentava a necessidade da convicção jurídica da obrigatoriedade e da coatividade do uso social. Isso muito se acerca da teoria subjetiva do consentimento do povo −que já se disse acima, correspondia à doutrina dominante em Roma.    

         De maneira mais recente, acolhendo embora a tese de que, para reconhecer-se o costume, ao uso social deve adicionar-se um elemento espiritual ou psicológico, formou-se uma corrente que se apoia num dado que tem por essencial: o consentimento do legislador. Ou seja: o uso social seria só uma espécie de petição do povo −manifestada pelo mesmo uso− e o acolhimento da matéria desse uso por parte do legislador. O Código de direito canônico de 1917 −é dizer, anterior ao vigente, que é de 1983− acolheu essa teoria em seu cânon 25: «O costume só adquire na Igreja força de lei em virtude do consentimento do Superior eclesiástico competente».

         Sem recusar a perseverança de uma controvérsia que não parece ter fim, inclino-me a aceitar a tese que vinha já do direito romano: a opinio iuris vel necessitatis é elemento essencial do costume, despiciendo o consentimento do legislador.

         A meu ver, pois, não basta o uso social para que se caracterize o costume. Bastaria lembrar de usos comunitários que não têm relevância para o direito. José de Oliveira Ascensão lembrou, a propósito, da prática, em Portugal, do folar da Páscoa, bolo que é da tradição lusitana, mas cujas fabricação e oferta não importam numa regra jurídica.

         Observou esse grande jurista português que a só circunstância de se ter de distinguir entre usos jurídicos e não jurídicos é bastante para reconhecer a necessidade de um elemento a mais: a consciência, mais ou menos precisa, da obrigatoriedade do uso.

         Trata-se aí da convicção da obrigatoriedade de uma dada prática: a experiência do respeito às filas é um fato notório de uma convicção de obrigatoriedade, pode dizer-se universal.          Queria lembrar-lhes aqui de uma prática que eu, em 2003, ignorava estivesse em vigor em Moscou, razão pela qual fui mesmo advertido por algumas pessoas: a preferência de passagem nas escadas rolantes.