Fontes do direito notarial e registral (vigésima-terceira parte)

Des. Ricardo Dip

         Nesta larga excursão que fazemos pelo tema das fontes do direito notarial e registral, já cuidamos de duas de suas fontes formais, ou seja, de dois modos de expressar efetivamente o direito das notas e dos registros públicos: a constituição e a lei (em sentido lato).

         Já o fizemos ver, de passagem, que a constituição (a escrita, nota bene!) é uma espécie de lei, de maneira que a particularidade com que tratamos daquela é tributária da importância de sua posição nos ordenamentos jurídicos.

         Consideremos agora uma outra fonte formal: o costume. De três modos, é opinião de Modestino, provém o direito: do consentimento, da necessidade ou do costume (Digesto, 1, 3, 40). «Todo direito −dirá mais tarde S.Isidoro de Sevilha− integra-se de leis e costumes −Omne autem ius legibus et moribus constat» (Etimologias, X, 3).

         Harmonizando-se com essas considerações, mas já agora em nossos tempos, ao cuidar das modalidades das fontes do direito, José de Oliveira Ascensão sustentou que «o costume é a fonte privilegiada do direito, enquanto exprime directamente a ordem da sociedade, sem necessitar da mediação de nenhum oráculo» (in O direito -Introdução e teoria geral, ed. Verbo, 4.ed., Barcelos, 1987, p. 191).

         Essa ideia de expressão direta da ordem social pode também encontrar-se na referência do professor da Universidade de Genebra, Peter Haggenmacher, quando afirma que o costume é uma noção de fato, uma evidência da vida real −evidence vécue−, e invoca as noções ensinadas por Littré, dizendo que o costume é «a maneira ordinária de agir, de comportar-se e de falar» (verbete Coutume no tomo 35 dos Archives de philosophie du droit, ed. Sirey, Paris, 1990, p. 27).

         Nessa mesma direção, Oliveira Vianna −autor que, no Brasil, melhor apreciou a importância do costume para a consecução do bem comum− reporta-se às ideias de «sociedade viva» (que contrasta com a «lei escrita») e de «realidades da vida social», «realidades vivas da tradição», «capacidade criadora do povo-massa (…) criações como fatos naturais de sua vida social e orgânica» (in Instituições políticas brasileiras, ed. Record, 3.ed., Rio de Janeiro -São Paulo, 1974, vol. 2, p. 31 e 32).

         É lição do mesmo Oliveira Vianna que os costumes −ao lado dos usos e das tradições− são representações coletivas, complexos culturais «já preexistentes na estrutura social do povo-massa» (p. 31).

         Por sua vez, Juan Vallet de Goytisolo sustentou que em lugar e em tempo algum podemos esquecer da «realidade viva, existencial» do costume (in Metodología de las leyes, ed. Derecho Reunias, Madrid, 1991, p. 513).

         Nas sociedades amaduradas, observou Rafael Gambra, com o abono de Juan Vallet, há um lento predomínio do direito escrito em relação ao costume. Todavia, disse Gambra, «la salud consiste en una tensión y equilibrio entre lo ideal y lo real, en una permanente toma de contacto con la realidad en la que no se abstractice el saber, ni se reduzca la vida y las relaciones de los hombres a esquematismos artificiales e infecundos» (apud Vallet, o.l.c.).

         Nas exposições seguintes, haveremos de tratar

•        da especificação do costume em geral em costume jurídico (para o que seguiremos as lições passadas por Joaquín Costa, in La vida del derecho -Ensayo sobre el derecho consuetudinario, ed. Heliasta, Buenos Aires, 1976, p. 16 et sqq.)

•        dos elementos essenciais do costume: uso e convicção de obrigatoriedade;

•        de seus conjecturáveis requisitos, assim os sustentam alguns autores;

•        da relação entre lei e costume;

•        da prevalência do costume.