(da série Registros sobre Registros n. 393)
Des. Ricardo Dip
1.193. As averbações que se alistam no inciso II do art. 167 da Lei 6.015 têm, em seu n. 6, a previsão relativa aos «atos pertinentes a unidades autônomas condominiais a que alude a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, quando a incorporação tiver sido formalizada anteriormente à vigência desta Lei».
Esse dispositivo −passado quase meio século desde a vigência da Lei 6.015− pode considerar-se já inócuo. Melhim Nahmen Chalhub diz, a propósito, que, em nossos dias, a aplicação desse preceito é «rarefeita».
Mas de que se trata?
A Lei 4.591 −a que se refere o texto do inciso II do art. 167 da Lei 6.015− versa o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Trata-se de uma lei promulgada em 16 de dezembro de 1964, ao tempo em que vigorava, entre nós, na esfera normativa dos registros públicos, o Regulamento de 1939 (Decreto 4.857, de 9-11-1939).
Ao passo, porém, em que esse Regulamento registral pouco dispunha sobre o tema do condomínio (cf. inc. IV da alínea b do art. 178, referindo-se à transcrição «dos julgados, nas ações divisórias, pelos quais se puser termo à indivisão»), já a Lei 4.591 enunciava, a propósito, entre outras disposições, as de que
• Art. 7º: «O condomínio por unidades autônomas instituir-se-á por ato entre vivos ou por testamento, com inscrição obrigatória no Registro de Imóvel, dele constando; a individualização de cada unidade, sua identificação e discriminação, bem como a fração ideal sobre o terreno e partes comuns, atribuída a cada unidade, dispensando-se a descrição interna da unidade»;
• Art. 9º: «Os proprietários, promitentes compradores, cessionários ou promitentes cessionários dos direitos pertinentes à aquisição de unidades autônomas, em edificações a serem construídas, em construção ou já construídas, elaborarão, por escrito, a Convenção de condomínio, e deverão, também, por contrato ou por deliberação em assembleia, aprovar o Regimento Interno da edificação ou conjunto de edificações.
§ 1º Far-se-á o registro da Convenção no Registro de Imóveis, bem como a averbação das suas eventuais alterações»;
• Art. 32: «O incorporador somente poderá negociar sobre unidades autônomas após ter arquivado, no cartório competente de Registro de Imóveis, os seguintes documentos (…)» [o texto desse artigo foi alterado pelo que consta da Lei 14.382, de 27-6-2022: «O incorporador somente poderá alienar ou onerar as frações ideais de terrenos e acessões que corresponderão às futuras unidades autônomas após o registro, no registro de imóveis competente, do memorial de incorporação composto pelos seguintes documentos (…)»].
Com a vigência da Lei 6.015 −ou seja, em 1º de janeiro de 1976 (art. 298)−, cuidou-se de considerar uma situação factual, assim o fez ver Nahmen Chalhub, observando que, ao entrar em vigor a Lei 4.591, «muitos edifícios não dispunham de estrutura jurídica adequada a essa situação proprietária especial» (in Lei de registros públicos comentada, ed. Gen -Forense, Rio de Janeiro, 2014, coord. José Manuel de Arruda Alvim Neto, Alexandre Laizo Clápis e Everaldo Augusto Cambler, p. 821). E prossegue o autor:
«Por isso, os titulares de unidades de edifícios construídos anteriormente à Lei nº 4.591/64 deviam formalizar suas convenções de condomínio de acordo com a nova lei e promover seu registro no Registro de Imóveis».
Sublinhe-se que a Lei 4.591 não só impõe a condição do registro para que o incorporador possa alienar as unidades autônomas, senão que a reforça com norma de caráter penal (inc. I do art. 66), incluindo-se entre as contravenções relativas à economia popular, punível, nos termos do art. 10 da Lei 1.521, de 26 de dezembro de 1951, a conduta de «negociar o incorporador frações ideais de terreno, sem previamente satisfazer às exigências constantes (…)» −in casu, da referida Lei 4.591.
Tamanha a importância protetiva que se espera, nesse âmbito, extrair do registro imobiliário, que Mário Pazutti Mezzari ensina não ser lícito sequer «elaborar contratos preliminares contemplando a obrigação de registro futuro da incorporação» (Condomínio e incorporação no registro de imóveis, 2.ed., 2002, p. 136).
O aqui examinado dispositivo referente à averbação dos atos pertinentes a unidades autônomas condominiais apenas se aplica, assim nele se lê, quando a incorporação tiver sido formalizada anteriormente à vigência da Lei 4.591. Tratando-se, em vez disso, de incorporações que se tenham formado posteriormente a 21 de dezembro de 1964 (data da publicação da referida Lei 4.591 pela imprensa oficial), aplica-se o disposto nos ns. 17 e 23 do inciso I do art. 167 da Lei 6.015, mediante registro stricto sensu:
• «das incorporações, instituições e convenções de condomínio» (n. 17); e
• «dos julgados e atos jurídicos entre vivos que dividirem imóveis ou os demarcarem inclusive nos casos de incorporação que resultarem em constituição de condomínio e atribuírem uma ou mais unidades aos incorporadores» (n. 23).
Dessa maneira, convivem no sistema da Lei 6.015 dois modos de inscrição relativos aos condomínios edilícios. Um, de registro em sentido estrito. Outro, o de averbação. Tem este último por objeto a instituição de condomínio e a convenção condominial referentes a incorporações anteriores à vigência da Lei 4.591, de 1964. Aqueles, o mesmo objeto, mas quando as incorporações forem pósteras ao começo de eficácia da mesma Lei 4.591.
Essa duplicidade de meios inscritivos projeta uma questão interessante, qual a existência jurídica do condomínio por unidades autônomas. Com efeito, do texto do já aqui referido art. 7º da Lei 4.591 −«O condomínio por unidades autônomas instituir-se-á por ato entre vivos ou por testamento, com inscrição obrigatória no Registro de Imóvel, dele constando; a individualização de cada unidade, sua identificação e discriminação, bem como a fração ideal sobre o terreno e partes comuns, atribuída a cada unidade, dispensando-se a descrição interna da unidade»− é muito provável caiba extrair que o registro da instituição tenha caráter constitutivo.
Diversamente, quanto às incorporações anteriores a 21 de dezembro de 1964, o averbamento da instituição condominial −ainda que obrigatório [art. 169 da Lei 6.015: «Todos os atos enumerados no art. 167 desta Lei são obrigatórios e serão efetuados na serventia da situação do imóvel (…)»]− parece provável possuir natureza declarativa.