Averbação da mudança de nome (quarta parte)

(da série Registros sobre Registros n. 392)

                                                             Des. Ricardo Dip

1.190.   Para encerrar o capítulo referente às averbações, no ofício imobiliário, de mudança de nome, tal como as refere o item 5º do inciso II do art. 167 da Lei 6.015, de 1973 −a saber: «(…) alteração do nome por casamento ou por desquite, ou, ainda, de outras circunstâncias que, de qualquer modo, tenham influência no registro ou nas pessoas nele interessadas»−, falta-nos aqui uma concisa referência a essas aludidas circunstâncias que, diz a lei, tenham influência no registro ou nas pessoas nele interessadas.

           Já vimos que, entre essas «circunstâncias», estão as que justificam as alterações de prenomes (ou nomes) «imorais» e «ridículos», assim os referiu Serpa Lopes (Tratado dos registos públicos, I, n. 84). Quanto aos designativos imorais, esse notável jurista invocou exemplo de um caso julgado na França, quando se recusou o registro do nome «Lúcifer», entendendo a justiça francesa, em resumo do mesmo Serpa Lopes, que «o caráter confessional dos textos bíblicos não dava ao personagem em questão uma posição honrosa»; também opinou o autor que ser forrada de legalidade a recusa em registrar-se o prenome que repete o de pessoa notoriamente criminosa −p.ex., Lampião. Seria, hoje, o que, para termos algumas ilustrações, justificaria interditar o registro de nomes tais os de Stalin, Mao, Hitler, et reliqua, e, pois, ensejaria a retificação registral na hipótese de sua constância nos registros.

           No que diz respeito aos designativos «ridículos» −sobre os quais já dissemos algo em exposição anterior−, Serpa Lopes, após reportar-se às ideias de um nome desse gênero «despertar o sarcasmo, gerar a galhofa, a surriada constante», observou que é a atualidade da ridicularia o critério temporal propício a sua avaliação. Mencionou, a propósito, julgado que acolheu mudança de prenome pela superveniência do descrédito comunitário da designação «Mussolini», ainda que, à origem, assim não fosse.

           Não está demais observar que a mudança dos nomes no registro imobiliário supõe, ordinariamente, sua prévia alteração no registro civil. É à luz de uma certidão desse registro civil que se pode apoiar a retificação da especialidade pessoal no ofício imobiliário.

           Todavia, por mais seja isto controverso, há uma hipótese em que, inibida no registro civil, a retificação positiva de nome pode efetivar-se, de maneira autônoma, no registro de imóveis. Trata-se da situação dos que sejam «também conhecidos pelo nome tal ou qual». Essa duplicidade de identificação pessoal é de todo inviável no registro civil, mas não é inconveniente no registro de imóveis, contanto, por evidente, possa confirmar-se por meios probatórios adequados. Um exemplo: Joaquim de tal, também conhecido pelo nome Coronel Joselito.

           Outra hipótese de mudança de nome pode provir do restabelecimento da sociedade conjugal, a que se refere o item 10 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015.    

1.191.   Por fim, cabe aqui uma pequena excursão.

           Todas as leis humanas estão sujeitas ao dinamismo da ordem real das coisas. A ideia de um sistema legal cerrado −assim era o que, entre outros, pensava Hans Kelsen− é inconciliável com a dinâmica vital. Daí que não se possa recusar, de maneira absoluta, a possibilidade de novas circunstâncias que, de algum modo, justifiquem a mudança de nome no registro imobiliário.

           Mas é fato ainda a observar que, em 1988, expediu-se na 1ª Vara de Registros Públicos da Comarca de São Paulo um provimento −com o n. 1/88− que teve duas finalidades: a primeira, a de consolidar, textualizando por escrito, aquilo que já era costume (ou, por mais provável, usos) na atividade dos registros imobiliários da Capital dos paulistas; a segunda, a de colmatar −com apoio no uso (que é fonte formal do direito)− lacunas da normativa registral então em vigor.

           Note-se, pois, que o provimento não visou a uma inovação, porque apenas literalizou, consolidando em um documento, o que já era costume (ou, talvez mais propriamente, uso) na Comarca de São Paulo. Ou seja, tratou somente de reconhecer práticas −e não de criá-las−, práticas registrárias usuais que estavam cônsonas com a lei; é dizer, não se alistaram, no aludido provimento, condutas que não estivessem em harmonia com o ordenamento legal. Afeiçoavam-se lei e costume.

             Calha que esse Provimento 1/88 −elaborado pelo depois Des. José Renato Nalini e outro magistrado−, ao elencar hipóteses de averbação imobiliária não exprimidas na Lei 6.015, nada referiu, de modo expresso, quanto a uma adicional situação de mudança de nome por «outras circunstâncias» que não as previstas, de maneira explícita no n. 5 do item II do art. 167 da Lei 6.015, salvo se queira entender implícita alguma sorte dessa mudança no n. 3 do item I do mesmo Provimento.

           Transcreve-se aqui esse item I:

           « 1. casamento;

2. retificação, incluído o cancelamento, de registro e de averbação;

3. alteração de nome por divórcio, adoção de patronímico de companheiro ou retificação no

registro civil;

4. emancipação;

5. interdição;

6. ausência;

7. limites de curatela;

8. cessação de interdição ou de ausência;

9. suspensão e destituição do pátrio poder;

10. óbito;

11. bloqueio;

12. declaração de interesse social e de utilidade pública, para fins de expropriação, e caducidade de seu decreto, sempre que rigorosamente observada a especialidade objetiva;

13. termo de responsabilidade pela preservação de florestas;

14. mudança de destinação de imóvel, de rural para urbano, assim como modificação de zona urbana ou da expansão urbana do município, quando repercutir na situação do imóvel;

15. declaração de indisponibilidade de diretores e ex-administradores de entidades financeiras em regime de intervenção ou liquidação extrajudicial.»  

           É significativo que um provimento, recrutando os usos em curso nos registros imobiliários de São Paulo −são 18 esses ofícios−, não tenha encontrado hipótese para apoiar a mudança de nome referível às apontadas «outras circunstâncias».

           Cabe, no entanto, indicar uma hipótese de todo controversa e que, à altura, não se quis (ou não de pôde) incluir no provimento. Aqui se trata da mudança registral positiva (é dizer, de acréscimo no registro) decalcada em título nobiliárquico; exs.: Conde de Vareilles-Sommières, Marquês de Valdegamas, Comendador da Ordem da Legitimidade Proscrita (honraria concedida por Dom Sixto Enrique de Borbon-Parma, que é tido, por muitos, na condição de legítimo rei da Espanha).

           Acontece que se estabelecera em fins da década de 70 e início da de 80 o uso de averbar, no registro civil paulistano, o status nobiliárquico dos que se autodeclaravam possuí-lo. Por motivos, entretanto, que não vem ao caso, agora, comentar, a Justiça paulista interditou esse uso e determinou o cancelamento das averbações dos títulos correspondentes.

           É verdade que isso concerniu diretamente ao registro civil das pessoas naturais, mas não era, em 1988, nada prudente que tema tão controverso pudesse ser incluído num provimento que buscava recolher usos pacíficos e não conflituosos.