Fontes do direito notarial e registral (terceira parte)

                                               Des. Ricardo Dip

         Dando sequência ao capítulo relativo às fontes do direito notarial e registral, depois de termos indicado uma das divisões das fontes do direito em geral, classificando-as em formal e material, dividimos as primeiras −que consistem em fontes de cognição do direito e fontes produtivas do direito−, adotando lição ministrada por Juan Vallet de Goytisolo, que assim as dividiu, como já ficou dito na explanação anterior:

  • a lei lato sensu emanada do poder soberano,

(ii)     os costumes,

(iii)     a jurisprudência pretoriana,

(iv)     a doutrina ou jurisprudência doutrinária −é dizer, a opinião dos juristas−, e

(v) a opinião pública ou consciência coletiva.

         Na presente exposição trataremos de dois sentidos especiais de fonte formal do direito e de sua acepção como fundamento de validade.

         Esses significados especiais que podem manifestar as fontes formais do direito são os de autoridade e de potestade. É conhecida a distinção entre auctoritas e potestas ensinada por Álvaro D’Ors, para quem a autoridade é um saber socialmente reconhecido, ao passo em que a potestade é uma fonte imperativa, e Vallet distingue as hipóteses em que, no direito romano, as normas jurídicas aplicavam-se imperio rationis (ou seja, por força ou império da razão), e outras em que as normas se impunham ratione imperii (vale dizer, em razão do império; cf. Metodología de las leyes, ed. Revista de Derecho Privado, Madri, 1991, p. 11). As primeiras são as que provém da razão e da autoridade, sem império; as segundas resultam da potestade.

         Isso tem exemplo no âmbito contemporâneo das atividades extrajudiciais. Veja-se esta situação no Estado de São Paulo: há nele um bifrontismo decisório quanto aos registros públicos, porque, embora a maior potestade administrativa correspondente seja a da Corregedoria Geral da Justiça, dá-se que os recursos nos processos de dúvida registral são apreciados e decididos pelo Conselho Superior da Magistratura, e é então de sua autoridade −e não de sua potestade− que emanam algumas «normas» (muito provavelmente, do tipo que se diz soft rule, é dizer algo próprio de uma diretriz relativa à vontade política, uma recomendação), normas essas que persuadem imperio rationis −por império da razão−, em vez de impor-se rationi imperii, por força de quem manda.

         Não custa observar que podem as normas jurídicas −e isto convém mesmo− ser dotadas, a um só tempo, de auctoritas e potestas. O amor das leis −tão importante para a verdadeira concórdia social e política− supõe sempre que a sociedade reconheça a auctoritas de quem dita as normas.

         A expressão «fonte do direito» também significa «fundamento de validade». Independentemente de adotar-se a noção de «ordenamento jurídico» fechado (como é o proposto pelos normativistas) ou aberto (assim é sua concepção clássica), esse ordenamento é uma «galáxia jurídica» (Vallet), um conjunto organizado com uma dada hierarquia, tal que algumas normas são fundamentos para a validade de outras.

         Qual entender, em cada situação −no tempo e no espaço−, o tipo desse fundamento demandará assumir uma posição filosófica inaugural. Hoje predomina a ideia de que as leis se encadeiam para configurar um sistema uniforme e sem brechas, cujo fundamento originário é a constituição política, de que derivam todas as demais normas; trata-se aí de um monismo, postura normativista esposada por vários pensadores contemporâneos (p.ex., Kelsen, Hart, Bobbio), e, como ficou dito, prevalecente na atual praxis do direito.

         Mas é possível pensar diversamente. Assim, pode considerar-se como ponto de partida não as normas jurídicas, senão que, isto sim, as relações entre os homens, relações que devem ordenar-se para a realização do justo e em vista da paz social. Já aqui não tem por fundamento primeiro das normas a constituição política, mas a formação natural e histórica da sociedade (cf., a propósito, Miguel Ayuso, Constitución -El problema y los problemas, ed. Marcial Pons, Madri, 2016, p. 76 et sqq.).

         Bem é de ver que o ideal é que a constituição política de uma nação guarde fidelidade com a constituição natural e histórica da sociedade (i.e., a constituição social) a que corresponde. Nesse quadro, a constituição não será um aparato industriado pelo voluntarismo, mas um adequado indicador fundamental para todas as normas.