(da série Registros sobre Registros, n. 381)
Des. Ricardo Dip
1.148. Ultimado, nesta série «Registros sobre Registros», o tratamento da lista dos títulos reunidos no inciso I do art. 167 da Lei 6.015, de 1973 −é dizer, os títulos suscetíveis de registro em sentido estrito−, passamos agora a apreciar o rol dos títulos que se elencam, na mesma Lei 6.015, para a averbação no ofícioimobiliário, conforme consta do inciso II do aludido art. 167.
Não custa reiterar duas coisas.
Primeira: a de que, ladeadas as disputas acerca de serem a prenotação e a matriculação espécies registrais autônomas ou apenas modos de registro stricto sensu, praticam-se no ofício imobiliário quatro espécies de inscrição livresca (é dizer, tabular, «em livros»): o registro em sentido estrito, a averbação, a anotação (prevista para o livro do protocolo para referir a suscitação da dúvida registral) e a indicação (própria para os livros indicadores real e pessoal). Outros atos do ofício de imóveis −p.ex., as certificações, as autuações, as intimações− são atos não livrescos, extratabulares.
Segunda: a de que o figurino doutrinal clássico para distinguir, de um lado, os registros, e, de outro, as averbações, nem sempre foi observado na legislação vigente acerca do tema. Eminente doutrinador dos registros públicos, Narciso Orlandi Neto observou, com acuidade, que, no direito brasileiro em vigor, pouco ou nada vale o discrimen clássico entre o registro stricto sensu e a averbação, porque os enunciados legais, com frequência, abdicaram dos critérios doutrinários de sua distinção. Menos mal é que pouca ou até nenhuma seja, no aspecto estritamente registral (i.e., posto à margem o tema emolumentar), a distinção dos efeitos resultantes de um ou de outro desses modos inscritivos.
Então: o item 1º do inciso II do art. 167 da Lei 6.015 refere-se à averbação «das convenções antenupciais e do regime de bens diversos do legal, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer dos cônjuges, inclusive os adquiridos posteriormente ao casamento».
Essa previsão legal, quanto ao averbamento das convenções antenupciais, complementa outra previsão em que nossa atual Lei de registros públicos dispõe sobre o registro em sentido estrito das mesmas convenções (item 12 do inciso I do art. 167 da Lei 6.015). Ou seja, registram-se elas no livro registro auxiliar (livro 3) do ofício predial (inc. V do art. 178 da Lei 6.015, de 1973), cuja competência geográfica –ou seja, competência ratione loci– é a do «domicílio conjugal» (art. 244 da mesma Lei 6.015), ao passo em que a averbação das convenções nas matrículas −vale dizer, no livro 2 (ou, quando o caso, à margem das transcrições)− diz respeito, especificamente, a imóveis ou a direitos reais imobiliários próprios de «qualquer dos cônjuges», estendendo-se também aos imóveis ou direitos reais imobiliários que sejam «adquiridos posteriormente ao casamento», de maneira que a correspondente competência geográfica não é já a do domicílio conjugal, mas a da localização dos imóveis referenciais.
Assim, a competência ou atribuição circunscritiva para o registro stricto sensu das convenções não é a do registrador do local em que se celebra o casamento, nem a daquele em que se localizam os imóveis dos cônjuges, critério, este último, sim, para atrair as averbações dos pactos antenupciais.
Parece provável que as convenções antenupciais possam abranger pactos sem conteúdo matrimonial (p.ex., doações, confissões de dívida, reconhecimento de filho, mandato −assim, entre outros, Zeno Veloso e Paulo Nader); outrora, por exemplo, admitia-se, entre nós, a sucessão pactícia prevista no art. 314 do Código civil brasileiro de 1916: «As doações estipuladas nos contratos antenupciais, para depois da morte do doador, aproveitarão aos filhos do donatário, ainda que este faleça antes daquele»). Essa possibilidade de ampliação do objeto das convenções antenupciais atrai a clássica designação de capitulações matrimoniais para abarcar tanto os pactos propriamente referidos ao regime econômico de bens no matrimônio (estipulações matrimoniais), quanto os vários negócios alheios dessa finalidade.
Prevê o atual Código civil brasileiro ser «lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver» (caput do art. 1.639). A convenção sobre o regime matrimonial de bens, portanto, há de preceder ao casamento. Observe-se, contudo, que não há na legislação vigente assinação de prazo de validade entre a elaboração do pacto antenupcial e o correlato matrimônio subsequente. Assim diz Arnaldo Rizzardo: «Admite-se que decorra, inclusive qualquer lapso de tempo. Mas os efeitos dependem da realização do casamento» (Direito de família, p. 565). Pode ocorrer, entretanto, que o próprio pacto indique prazo certo para sua validade, hipótese em que deve observar-se esse prazo convencionado pelos nubentes (veja-se, a propósito, o entendimento de Pontes de Miranda).
Já tivemos ocasião de referir (na explanação 282 desta série «Registros sobre Registros») que o atual Código civil português prevê prazo de caducidade –que é de um ano– para a convenção pré-nupcial, e dentro nesse prazo, pois, deve celebrar-se o casamento (art. 1.716). No mesmo sentido, lê-se no art. 1.334 do Código civil espanhol: «Todo lo que se estipule en capitulaciones bajo el supuesto de futuro matrimonio quedará sin efecto en el caso de no contraerse en el plazo de un año». Saliente-se, contudo, ser entendimento de Antonio Cabanillas Sánchez, o de que, «para evitar la caducidad de las capitulaciones prenupciales se podrá, antes de transcurrir el año, renovarlas mediante un nuevo otorgamiento a fin de alargar el plazo con vista a un matrimonio cuya celebración se retrasa» (“Las capitulaciones matrimoniales”, in VV.AA., coord. Gema Díez-Picazo Giménez, Derecho de família, p. 647).
Não é demais referir, todavia, que o decurso de tempo irrazoável entre o acordo antenupcial e o casamento pode justificar o pleito declarativo de nulidade do pacto (vejam-se Pontes de Miranda, Carvalho Santos, Arnaldo Rizzardo), mas essa nulidade «só se verifica –assim o escreveu Carvalho Santos– quando a intenção das partes de abandonar seu projeto de casamento é certa, o que constitui uma questão de fato entregue à apreciação do julgador” (Código civil brasileiro interpretado, comentário ao art. 256).
Assim, pois, a convenção sobre o regime matrimonial de bens deve anteceder ao casamento, o que não impede, todavia, sua modificação posterior, desde que haja autorização judicial, em processo no qual se verifique «a procedência das razões invocadas [pelos cônjuges] e ressalvados os direitos de terceiros» (§ 2º do art. 1.639 do Código civil brasileiro em vigor), cabendo aqui salientar o caráter autorizador que possui, nessa hipótese, a sentença judicial, de maneira que essa decisão não obsta a que os interessados abdiquem de levar a alteração ao registro. Se «o regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento» (§ 1º do art. 1.639), já, diversamente, sua modificação tem eficácia a partir do averbamento do título judicial que autorizou a alteração do regime.
Prosseguiremos.