ATO NOTARIAL

Des. Ricardo Dip

A expressão «ato notarial» possui mais de um significado.

Para logo, saliente-se a distinção entre, de um lado, o «ato notarial», e, de outro lado, a «ata notarial», ainda que, por um critério singular, a «ata notarial» seja um «ato notarial», mais exatamente uma espécie do gênero «ato notarial». Isso o veremos adiante com mais vagar.

O termo «ato» provém do latim actum −isso o ensinam, p.ex., Saraiva, Fontinha, Antônio Geraldo da Cunha−, vale dizer, deriva do acusativo de actus, actus, palavra de quarta declinação. Sendo várias suas acepções (Torrinha, v.g., alista nove significados), parecem mais convir à noção de «ato notarial« as ideias de (i) realização de algo ou coisa realizada; execução ou coisa executada; e (ii) movimento.

Quanto ao primeiro desses sentidos, o «ato» é, pois, o ente que se realiza em sua ordem, o que adquire um dado grau de perfeição entitativa. Isso o opõe −e daqui vem a segunda das apontadas acepções− à ideia de potência, pois a potência é o que pode ser; o ato é o que já é. A passagem da potência ao ato −vale dizer, a atualização− é exatamente o movimento: o ato imperfeito é o ato ainda em potência.

Designa-se, por primeiro, «ato notarial», conforme o usus loquendi, a formalização de fatos, atos ou negócios jurídicos pelos notários. Esse sentido é o de um gênero, porque abrange duas espécies: a ata notarial, propícia para a relação de fatos captados sensivelmente pelos notários, e a escritura pública, que diz respeito aos negócios jurídicos em que intervêm notários (propter officium).  Quanto aos atos, podem ser objeto quer, de modo prevalecente, da escritura notarial, quer, em alguma hipótese mais restrita, de ata notarial. Por exceção, pode ocorrer que um ato notarial seja praticado por actante diverso do notário: p.ex., no Brasil, as atas de protesto são lavradas por tabeliães especiais; também registradores realizam atos próprios de notários, como se vê nos processos extrajudiciais de retificação do registro de imóveis e de usucapião. Essas exceções podem ser ditadas por necessidades ou conveniências institucionais (caso do protesto de letras e títulos), mas também podem ser simples heterodoxias acomodadas a uma, entre nós, paulatina desconstrução do notariado latino.

Numa segunda acepção, denomina-se «ato notarial» também as certificações e trasladações de uma precedente formalização notarial de fatos, atos ou negócios jurídicos. Trata-se aí de um «ato notarial de ato notarial», ou seja, a expedição de uma cópia notarial de outro ato notarial. Pode falar-se em ato notarial secundário ou reprodutivo, para distingui-lo do ato notarial primário.

Finalmente, num terceiro sentido, nomeiam-se «ato notarial» todos os atos intermédios que, no processo notarial, são realizados em direção ao fim de formalização de fatos, atos ou negócios jurídicos, ou ainda, de extração dos atos notariais secundários (certificação, trasladação). É dizer que esses vários atos são partes do processo, abrangendo, a contar da rogação, tudo quanto, para a autorização notarial conclusiva, convenha ou seja mesmo necessário ao desfecho da atividade do notário.

Em qualquer dessas acepções, tem-se o ato notarial como um ato humano (ou seja, um ato que procede da vontade humana deliberada), um ato livre, no sentido de que resulta, em sua própria ordem, da livre atuação do notário. O ato notarial −viu-o muito bem Rafael Núñez Lagos− não é um ato administrativo, porque não se submete a disciplina hierárquica, mas, isto sim, é um ato de regime especial, um ato de «formação da forma», que provém da independência jurídica do notário. E é por isso que o notário responde pelo ato que pratica, porque é livre de praticá-lo.

Ao fim, não é demais observar que a retidão moral e jurídica dos atos notariais é causada não só por sua conformidade com a lei positiva, mas também por sua conformidade com a natureza das coisas.