As gratuidades no âmbito das atividades extrajudiciais (parte 8 -concludetur)

Para ultimar o que se indicou ao largo das duas últimas explanações −com a larga série de atividades atípicas impostas ao registro civil brasileiro das pessoas naturais, tratemos agora de um exemplo emblemático de todo, levando à estimativa do quanto de dispêndio −em tempo, esforços e custos− resulta ainda de uma incessante e graduada conveniência (melhor dito: necessidade) de atender às exigências sociais de atualização tecnológica: "No es posible brindar prestaciones obsoletas frente a las nuevas necesidades a que da lugar el progreso tecnológico permanente" (Dromi, o.c., p. 246).

O avanço da técnica leva, com efeito, à obsolescência de alguns dos meios de execução das atividades notariais e registrais, e não se justifica, decerto, a museologização das notas e dos registros.

Mas a modernização tecnológica implica o dispêndio de recursos não apenas materiais, senão que também humanos, voltados estes à formação dos operadores das novas tecnologias. Ainda uma vez dá-se aqui, em parte, o fenômeno das gratuidades implícitas, e põe-se de manifesto, em palavras de Roberto Dromi, "que los elementos involucrados (nesta apontada modernização) conducen a una reconsideración integral de los términos contractuales" (o.c., p. 249).

Ao lado da categoria das gratuidades implícitas −em que devem incluir-se, por seus efeitos, tanto as evasões privatísticas, ou seja, as transferências de atividades notariais e registrais a pessoas jurídicas privadas, quanto as transferências dessas atividades à gestão administrativa−, mas, repita-se: ao lado das gratuidades implícitas, também emerge a categoria das gratuidades explícitas, e, quanto a estas, é preciso distinguir entre as preexistentes à formação dos contratos administrativos singulares e as que lhes são supervenientes. Aquelas integram a relação inaugural −é dizer, o parâmetro das equações do contrato, ou, em outros termos, o paradigma da justiça contratual admitida pelos pactuantes−, ao passo em que as gratuidades supervenientes interferem de maneira modificativa no equilíbrio do contrato, exigindo, com a indenização de danos de caráter patrimonial e o remédio do enriquecimento sem causa, que se restabeleça a equação contratual originária.

O impacto de todas essas gratuidades na equação econômico-financeira das atividades extrajudiciais tem levado a um número vultoso das chamadas «renúncias de delegação» e suscitado estudos de medidas para solucionar ou, ao menos, mitigar o déficit de sustentabilidade nas notas e nos registros públicos: neste sentido, a aparentemente frustrânea tentativa de fomentar atividades crematísticas de par com as típicas do registro civil das pessoas naturais −foi o que se deu, já o deixamos dito, com o projeto do ofício da cidadania−, e, vem de feição referi-la, fundadamente, a dissertação acadêmica de Frank Wendel Chossani (Análise econômica da remuneração dos cartórios extrajudiciais, ed. Dialética, São Paulo, 2023, p. 139 et sqq.), indicando a conveniência da reestruturação dos repasses dos emolumentos.

O problema não é de solução simples. Não parece fácil, de logo, estabelecer em cada caso qual a equação inaugural do contrato administrativo firmado entre o estado e o agente particular a que se atribuem as funções das notas e dos registros públicos. Não aparenta menos difícil apurar o quanto deva recompor-se nas situações particulares essa equação inicial −ou seja, a justiça contratual singular−, porque não se há de considerar apenas o passado e o presente, mas também o tempo futuro, com a prognose das chamadas variações do mercado. Todavia, as dificuldades de estabelecimento dos remédios não são o quanto basta para desconhecer as deficiências e tratar de saná-las.

Com efeito, não parece nada justo que o estado, por meio de gratuidades implícitas e explícitas, interfira, nos contratos de que é partícipe, em detrimento dos notários e registradores, e a aspereza dos meios para restaurar a justiça contratual não é, não pode ser nunca, motivo para desprezo da mesma justiça.