“O Registro Civil é uma especialidade que acompanha a sociedade”

“O Registro Civil é uma especialidade que acompanha a sociedade”

O advogado e mestre em Direito, Pedro Ribeiro Giamberardino, fala sobre novos provimentos do CNJ que regulamentam atos de Registro Civil

Ao apagar das luzes do mês de setembro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) anunciou, em 26 de setembro, a publicação de três novos provimentos que afetam diretamente questões relacionadas ao registro civil e identidade das pessoas no âmbito dos cartórios extrajudiciais. Essas normativas fazem parte do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ – Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra), instituído pelo Provimento nº 149, de 30 de agosto de 2023.

O primeiro deles foi o Provimento nº 151. O normativo traz mudanças significativas no registro do natimorto e estabelece procedimentos para a promoção do registro de nascimento de crianças e adolescentes no caso de omissão.

O segundo, Provimento nº 152, aprimora as regras de averbação de alterações de nome, de gênero ou de ambos de pessoas transgênero. Já o terceiro, Provimento nº 153, dispõe sobre o procedimento de alteração extrajudicial do nome perante o Registro Civil das Pessoas Naturais.

Para trazer um olhar mais jurídico e técnico sobre o assunto, a Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná (Anoreg/PR) conversou com o advogado e mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pedro Ribeiro Giamberardino, que deu grande enfoque para as mudanças significativas trazidas pelos Provimentos nº 151 e nº 152. Confira abaixo.

Anoreg/PR - Com o objetivo de garantir dignidade às famílias que enfrentam o drama de perder um bebê no seu nascimento, a Corregedoria Nacional de Justiça publicou o Provimento n. 151/2023, que editou norma com regras para o registro em cartório de filho natimorto. Quais são as principais mudanças trazidas pela norma?

Pedro Ribeiro Giamberardino - A norma do CNJ denota uma grande sensibilidade da Corregedoria Nacional de Justiça e pacifica uma questão que muitas normas estaduais também haviam instituído em âmbito local. Inclusive, ano passado, na I Jornada de Direito Notarial e Registral, foi aprovado um enunciado exatamente nesse sentido quanto a possibilidade de registro de nome de natimorto.

Na verdade, para o Direito, alguém detém personalidade jurídica quando nasce com vida, assegurando, entretanto, os direitos do nascituro. Essa concepção absolutamente fria é muito difícil para um pai ou uma mãe que sofre com a perda de um filho, sendo que é absolutamente compreensível qual seja o sentimento de alguém que perde uma gestação ou uma criança no momento do parto. Para os pais, na realidade, é absolutamente indiferente se a criança respirou ou não. O sentimento de que ela não viverá é uma perda própria de um afeto que nasce com a gestação e que esmorece com o óbito. Pois bem, depois deste sofrimento, que é natural para qualquer ser humano, realmente deveria ser muito difícil ter que ouvir do Estado - que na prática ocorre por meio de um atendente do Registro Civil de Pessoas Naturais - de que aquela criança idealizada e querida pela família não poderia sequer receber um nome, ser sepultada e ter uma lápide com este registro.

Creio que seja algo incontroverso que é uma compreensão absolutamente desarrazoada com o princípio da dignidade humana. Por esse motivo, a norma pacifica a possibilidade dos pais atribuírem nome ao natimorto, a fim de registrar a existência daquela criança ainda que a legislação entenda que não veio a adquirir personalidade jurídica ou a contrair direitos por não ter nascido com vida na acepção jurídica do termo.

Anoreg/PR - A Corregedoria também instituiu novos procedimentos para alteração extrajudicial do nome civil da pessoa natural e aprimorou regras de averbação de alteração de nome e/ou gênero de pessoas transgênero, com a publicação do Provimento n. 152/2023. Como a norma impacta a sociedade?

Pedro Ribeiro Giamberardino - Primeiramente, o Provimento 152/2023 deixa clara a possibilidade de atendimento pela Central de Informações de Registro Civil (CRC), o que facilita que alguém que more distante do seu local de registro originário possa formular o pedido eletronicamente.

Inclusive, a disposição sobre a validade desses atos realizados eletronicamente, são condizentes com a atual era tecnológica e os objetivos de instituição de um registro eletrônico que foram dispostos pela Lei nº 14.382/2022, quando instituiu o SERP (Serviço Eletrônico dos Registros Públicos), que é considerado como o início de um processo importante de uma nova era dos registros públicos.

No entanto, outro efeito prático e imediato muito importante deve ser registrado por meio deste mesmo Provimento 152, que foi a equalização da situação que era bastante difícil no que diz respeito aos brasileiros que residem no exterior e que almejavam fazer coisas que no Brasil já eram rotineiras aos registradores. Cita-se, como exemplo, a mudança de nome e gênero. São milhares de cidadãos brasileiros que não tinham previsão específica e sofriam grande dificuldade para realização de alteração do prenome ou do gênero perante as autoridades consulares, sendo que, agora, essa padronização dos procedimentos facilitou o exercício do direito dessas pessoas.

Anoreg/PR – As publicações trouxeram mudanças significativas para as mulheres, para as famílias e para a comunidade LGBTQI+. Como isso se reflete no Registro Civil e qual a importância de atualizar esses normativos? 

Pedro Ribeiro Giamberardino - O Registro Civil é uma especialidade que acompanha a sociedade. No caso brasileiro é marcante que importantes mudanças advieram do Judiciário, seja do STF ou do CNJ. Isso inclui situações como reconhecimento de união homoafetiva, possibilidade de registro de filhos em situações de multiparentalidade, mudança de gênero e a mudança de nome justificada por essa circunstância. Após essas alterações houve a sua absorção pelo Executivo e também pelo Legislativo, sendo que atualmente a alteração de nome passou a ser uma possibilidade para todos – transgêneros ou não - dentro das regras definidas pela Lei 14.382 (que alteraram, em parte, a Lei de Registros Públicos).

Essas situações, portanto, foram melhor amparadas e especificadas pelos Provimentos do CNJ recentemente editados.

Portanto, na verdade, os Provimentos não impactam apenas esses grupos como mulheres, família e comunidade LGBTQI+ pois impacta toda a sociedade. Certamente um dos maiores atributos de qualquer pessoa se encontra no seu nome, que nada mais é como ela é identificada. Depois disso, pode-se dizer que vem o seu sobrenome e na filiação, que significa o grupo familiar ao qual ela pertence. Portanto, desjudicializar essas questões, na prática, consiste em manter o controle de sua fiscalização com o Poder Judiciário mas possibilitar que esses direitos sejam alcançados, na maioria dos casos, de forma muito mais simples e eficiente para todos perante qualquer RCPN presente em qualquer município. É nisso que consiste o movimento de desjudicialização saudável e que deve ser aplaudido quando for feito com responsabilidade como é o caso. Por esse motivo entendemos que realmente assiste razão quando afirma que eles trazem mudanças significativas dentro do escopo de atribuir ao Foro Extrajudicial ferramentas importantes de cidadania.

Fonte: Assessoria de Comunicação da Anoreg/PR