Registro de desapropriação (décima-sétima parte)

(da série Registros sobre Registros, n. 349)

Des. Ricardo Dip

1.099. Conforme já ficou dito −em exposição anterior desta série no vertente capítulo do registro da desapropriação imobiliária−, o Decreto-lei 3.365, de 1941, que é a lei geral da expropriação no Brasil, dispõe em seu art. 20: "A contestação [na demanda de desapropriação] só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta".

Os limites estreitos da única possível resposta do expropriando espelham-se −aliás, com maior restrição ainda− naquilo que pode ser objeto da correspondente qualificação registral, quando da apresentação do título no ofício imobiliário. Sequer pode o oficial do registro objetar acerca de alguns vícios processuais −p.ex., de incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização, a ausência de legitimidade ad causam ou de interesse de agir−, questões todas estas entregues ao conhecimento judicial.

Esses limites da contestação do expropriando no processo judicial de desapropriação −cifrada a resposta (i) vícios formais (vícios de rito) e à (ii) impugnação do preço− leva a que, assim o fez ver expressamente Eurico Sodré (in A desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ed. Saraiva e Livraria Acadêmica, São Paulo, 1945, p. 165), não se admitam arguições de inconstitucionalidade ou ilegalidade do correspondente decreto declaratório da utilidade pública, porque essas suscitações não se abrigam no conceito de «vício do processo judicial» (art. 20). Não se admite, além disto, reconvenção, porque a defesa há de estar concentrada na contestação prevista no aludido art. 20. Todavia, isto não impede que em ação direta possa pleitear-se a invalidade desse decreto; o que não pode é desfiar essa defesa no âmbito do processo mesmo desapropriação. São palavras de Moraes Salles: "(…) a impugnação do preço é a única questão de natureza não processual que pode ser versada na contestação do expropriando" (in A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, ed. Revista dos Tribunais, 5.ed., São Paulo, 2006, p. 436). Averbe-se que a norma do art. 9º do Decreto-lei 3.365 somente veda aos juízes verificar, no processo de desapropriação, a ocorrência da utilidade pública objeto da declaração, mas isto não se impede na ação direta de invalidade.

Decerto, essas questões não podem ser objeto da qualificação registral.

1.100. Havendo concordância sobre o preço −prevê o art. 22 do Decreto-lei 3.365, de 1941− "o juiz o homologará por sentença no despacho saneador", mas, ultimado o prazo da contestação sem que haja «concordância expressa quanto ao preço», deve continuar o processo, com produção de prova (art. 23).

E se houver revelia? Ou seja, uma vez citado, o expropriando é contumaz, equivale a dizer: não apresenta contestação ao pedido do expropriante.

Parece bem que, nestas circunstâncias de contumácia (ou revelia), o processo de desapropriação tenha sequência com dilação instrutória, nos termos do que dispõe o art. 23 do Decreto-lei 3.365: "Findo o prazo para a contestação e não havendo concordância expressa quanto ao preço, o perito apresentará o laudo em cartório até cinco dias, pelo menos, antes da audiência de instrução e julgamento".

É que, como ficou visto, embora sejam aplicáveis, de modo supletivo, ao processo judicial de desapropriação, as regras do Código de processo civil (art. 42 do Decreto-lei 3.365), devem observar-se, entretanto, as disposições do mesmo Decreto-lei "aos processos de desapropriação em curso, não se permitindo depois de sua vigência outros termos e atos além dos por ela admitidos, nem o seu processamento por forma diversa da que por ela é regulada" (art. 41). Além disto, impõe-se resguardar o princípio constitucional de justa indenização pela perda do domínio (inc. XXIV do art. 5º da Constituição brasileira de 1988, que se refere à «justa e prévia indenização em dinheiro»).

Neste sentido proveu-se recurso na 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (j. 1º-8-2011, votação unânime), extraindo-se do julgado −que se referia a processo instituidor de servidão administrativa:

"(…) depois da citação, o processo segue o rito ordinário (art. 19) e, salvo explícito assentimento ao preço oferecido, é direito das partes a produção de prova técnica:

'Findo o prazo para a contestação e não havendo concordância expressa quanto ao preço, o perito apresentará o laudo em cartório até cinco dias, pelo menos, antes da audiência de instrução e julgamento' (art. 23).

Sem a conformidade expressa do requerido, no tocante com o preço oferecido, não cabe dispensa da perícia (REsp 930.212 -STJ -Ministra DENISE ARRUDA), sequer mesmo sendo de admitir concordância tácita em caso de revelia (REsp 35.520 -STJ -Ministro MILTON LUIZ PEREIRA).

A prova antecipada, quando ainda não formalizado o ingresso dos requeridos nos autos processuais, apenas se autoriza pelo diferimento do contraditório. Não pela supressão do exercício oportuno do direito de prova."

Desta maneira, o julgamento extintivo do processo judicial de desapropriação somente poderá emergir sem dilação instrutória (i) com o acolhimento de vício formal ou (ii) se houver concordância do expropriando com o valor indenizatório oferecido.

Não se dando nenhuma dessas duas hipóteses, o juiz determinará a produção de prova pericial (art. 23 do Decreto-lei 3.365) e designará audiência de instrução e julgamento −designação que, de comum, posterga-se para depois da apresentação do laudo do perito (e de eventuais laudos de assistentes técnicos). Nessa audiência, conforme o sugiram as circunstâncias de cada caso, poderão ouvir-se o perito e os assistentes técnicos das partes, bem como o representante legal do expropriante, o expropriado (ou seu representante) e testemunhas −primeiro, as do expropriante, depois, as do expropriando.

Segue-se, então, o debate oral da causa −ou, o que ocorre em boa parte das vezes, a assinação de prazo para razões finais por escrito (são os memoriais).

E, por fim, tem o juiz de prolatar sentença, com motivação (art. 27 do Decreto-lei 3.365: "O juiz indicará na sentença os fatos que motivaram o seu convencimento e deverá atender, especialmente, à estimação dos bens para efeitos fiscais; ao preço de aquisição e interesse que deles aufere o proprietário; à sua situação, estado de conservação e segurança; ao valor venal dos da mesma espécie, nos últimos cinco anos, e à valorização ou depreciação de área remanescente, pertencente ao réu").