Sobre a ciência notarial e a ciência registral (parte 3)

Des. Ricardo Dip

Pensemos agora em como recuperar as ciências do direito notarial e registral.

Por primeiro, comecemos por suas condições negativas, ou seja, por aquilo que devemos distinguir e evitar se queremos um saber científico desses ramos do direito.

Devemos terminantemente distingui-lo da dogmática do direito −vale dizer, da mera análise descritiva das regras jurídicas postas. Por mais importante seja essa dogmática (o que não cabe mesmo negar), ela, como saber essencialmente descritivo do fato legislativo (lei lato sensu), consagra esse fato −que é sempre algo particular− em um simples dogma substitutivo dos princípios universais do saber jurídico científico. 

O máximo a que pode chegar a dogmática do direito, pois, é a uma sistematização do particular; por isto mesmo, pode falar-se em dogmática do direito brasileiro, dogmática do direito alemão, dogmática do direito argentino, etc., e até num saber enciclopédico do direito comparado −ou seja, uma soma de saberes descritivos de fatos particulares (cujo objeto é variável na história) −, mas nunca se atingirá, com a dogmática, um conhecimento de objeto universal.

Não há ciência do particular. Quando tratamos de saber alguma coisa, tratamos de defini-la: isto o podemos fazer por meio de suas causas (definição metafísica) ou mediante alguns de seus predicáveis (definição lógica); o singular, entretanto, é inefável, não pode ser definido.

Cabe ainda discriminar, de um lado, o saber científico do direito, e, de outro, sua construção fenomenológica ou mesmo axiológico-ideológica, porque o primeiro tem as coisas reais (a realidade) por objeto, ao passo em que o saber fenomenológico e, mais ainda, o construtivismo valorativo-ideológico têm o sujeito cognoscente por objeto do direito que cria e recria com seu modo idealista: o fato que estas correntes consideram é sempre algo constructo, algo que corresponde a um resultado interpretativo; o direito passa a equivaler à consciência histórica que dele se tenha. Voltaremos a este ponto em explanação futura.

A recuperação dos saberes científicos do direito notarial e do direito registral deve fazer-se pela consideração de seus princípios. Já ficou dito em exposição anterior: a ciência é o "hábito de las conclusiones extraídas inmediatamente de los princípios (conocimiento analítico)" (Domingo Basso). Pode dizer-se isto em outras palavras: o que primeiro possuímos na ciência são os princípios (principia), e neles se contém, de modo virtual (continetur virtute), toda a ciência (S.Tomás de Aquino, S.th., II-II, 4, 1). Desta maneira, quem conhece os princípios (ainda os próximos) conhece radicalmente a ciência a que eles dão início e fundamento. 

Si volumus, enim, scientiam, tempus est redire ad principia.