Des. Ricardo Dip
No curso de sua participação em recente congresso realizado na cidade de Curitiba, sob os auspícios da Anoreg-BR e da Anoreg-PR, o magistrado paulista Josué Modesto Passos acentuou a necessidade contemporânea de restaurarem-se os saberes científicos do direito notarial e do direito registral.
Em uma passagem da Ética a Nicômaco (Bkk. 1139b15), Aristóteles disse serem cinco os hábitos ou virtudes intelectuais: a inteligência dos primeiros princípios (que se consagrou com a expressão latina intellectus principiorum), a sabedoria, a ciência, a prudência e a arte.
Dessas virtudes, três são especulativas (ou teóricas); as duas últimas, práticas. Todas elas destinam-se ao aperfeiçoamento do intelecto humano com vistas ao conhecimento da verdade; ou seja, a verdade é o objeto próprio e específico dessas virtudes [cf., brevitatis causa, o autorizado Domingo Basso, para quem a ciência é o "hábito de las conclusiones extraídas inmediatamente de los princípios (conocimiento analítico)"].
A ciência −a exemplo da sabedoria e da inteligência dos primeiros princípios− inclina-se a verdades universais e necessárias, distinguindo-se da sabedoria porque esta última visa, de maneira sintética, ao conhecimento da realidade mediante causas altíssimas, ao passo em que, diversamente, a ciência conhece a realidade de modo analítico e por meio de suas causas próximas. O entendimento ou inteligência dos primeiros princípios trata dos princípios evidentes por si próprios, com que se distingue da ciência.
O direito é um saber prático −ou seja, um saber que tem por objeto um operável e não algo especulável−, e pode ser objeto de saber científico, porque, ao lado de uma ciência puramente especulativa ou teórica (scientia speculativa tantum), há dois outros tipos de ciência, a que se junta, ainda, uma (chamemo-la assim) quase ciência, por ser disciplina simplesmente prática.
Depois da ciência simpliciter speculativa, há um segundo tipo de ciência que é especulativa pelo modo de saber (quantum ad modum sciendi), mas não pelas coisas que se conhecem (ex parte rerum scitarum). Leopoldo Eulogio Palacios, cujos ensinamentos estamos a acompanhar, diz que essa ciência especulativa quanto ao modo de saber é, por exemplo, a do arquiteto quando define e divide uma casa, considerando seus predicados universais, sem que essa casa, entretanto, seja algo operável enquanto tal, porque esse arquiteto não a conhece para modificá-la, mas só para especulá-la (daí que se diga, com a expressão de S.Tomás de Aquino, que tal ciência seja secundum quid speculativa et secundum quid practica); ensaiemos um outro exemplo: o saber de um jurista que examine o instituto da publicidade jurídica, definindo-a, dividindo-a, apreciando seus atributos universais, sem, contudo, tratar de alterá-la.
Outro e terceiro tipo de ciência ainda e em parte especulativa é a que se dá pelo fim do saber (quantum ad finem), em que o intelecto prático se ordena à finalidade operável, mas sem se destinar a produzir a obra; noutro exemplo de Eulogio Palacios, é a hipótese do arquiteto que considera como poderia edificar uma casa, sem, todavia, ordenar os conceitos a sua construção; também aqui se pode dizer tratar-se de uma ciência secundum quid speculativa et secundum quid practica; numa ilustração com o saber do direito: o do magistrado que avalia como decidir um caso que, no entanto, não lhe cabe decidir.
Por fim, há ainda, como visto, uma (quase) ciência já puramente prática, que tem objeto operável, modo operativo e destina-se ao fim de uma operação (dir-se-ia scientia simpliciter practica), mas que, em rigor, por ser simplesmente prática, não será propriamente ciência, senão que saber de prudência.
A ciência do direito parece melhor situar-se como saber especulativo quantum ad finem, ou seja, uma ciência cujo objeto é operável enquanto operável, o que corresponde à ideia de direção próxima do operável, mas não de sua direção imediata (o que é próprio da prudência). Não faltaria que em dado aspecto pudesse também contar-se como ciência quanto ao modo de conhecer (segundo tipo de ciência), mas, como quer que seja, sem a praticidade imediata da direção prudencial.