Bem de família (décima-sexta parte)

No processo de constituição do bem de família, diante de qualificação registral positiva e não se apresentando reclamação tempestiva (art. 264 da Lei 6.015, de 1973), deve proceder-se à transcrição da escritura, integralmente, no Livro 3 (registro auxiliar) do ofício imobiliário competente (vidē o inc. III do art. 173 da mesma Lei 6.015), registrando-se ainda o bem de família na matrícula do imóvel correspondente (art. 263).

          Se, diversamente, oferecer-se, em tempo oportuno, no curso do processo de constituição do bem de família, a reclamação que está prevista no art. 264 da Lei 6.015, prevê-se no mesmo dispositivo legal que seja “suspenso o registro” (ou mais exatamente, que seja suspenso o processo do registro pretendido) e que se cancele a prenotação a que corresponda.

          No direito brasileiro em vigor, a suspensão do processo registral é, ao menos expressamente, um fenômeno um tanto raro, embora, quanto ao registro civil das pessoas jurídicas, o par.ún. do art. 115 da Lei 6.015, e quanto ao registro de títulos e documentos, o par.ún. de seu art. 156, prevejam ambos o sobrestamento do processo registral, observando-se que o verbo sobrestar, usado nestes dois apontados dispositivos, neles corresponde à ideia de “parar” ou “não prosseguir”, o que equivale à de suspender. Apesar da raridade dessa explicitude da suspensão do processo registral, ela é, de fato, muito frequente, bastando lembrar que se exprime nos processos de dúvida registral (arts. 198 e 296), nos quais se estende até mesmo a sua fase recursória (art. 202).

         Com todo o rigor, a suspensão do processo de registro importa no efeito da irrelevância superveniente do prazo da prenotação. O direito português em possui regra que se aproxima desta ideia (vidē o n. 3 do art. 148º do Decreto-lei n. 224, de 6-7-1984), ao dizer que, com o recurso hierárquico, fica “suspenso o prazo de caducidade do registo provisório”. Mas, efetivamente, não fica suspenso, porque não se retoma em hipótese alguma (cf. os ns. 4 e 5 desse mesmo art. 148º). O que acontece, tanto no direito português, quanto no processo da dúvida no direito brasileiro, é que a prenotação preserva sua eficácia até o desfecho dos recursos que desafiem o processo registral; ou seja, torna-se irrelevante o prazo decadencial que é da regência ordinária dessa prenotação.

          Mas a suspensão indicada no caput do art. 264 da Lei brasileira 6.015 tem um consequente diverso, pois ela vem ao lado do cancelamento da prenotação.  Foi por isso que o legislador não elegeu a via comum que corresponde ao processo de dúvida para impugnar qualificações registrais negativas, adotando o caminho específico da reclamação, como um processo especial de natureza judiciário-administrativa, de maneira que se propicia ao solicitante (instituidor) ꟷsem limitação temporal expressaꟷ dirigir petição para que o judiciário ordene o registro do bem de família, apesar da reclamação (§ 1º do art. 264: “O instituidor poderá requerer ao Juiz que ordene o registro, sem embargo da reclamação”).

          Algumas críticas têm sido desfiadas contra essa disciplina processual. Por exemplo, a de Valmir Pontes, para quem melhor seria que subsistisse “até que o juiz, a requerimento do instituidor, a ser formulado em prazo certo, se pronunciasse afinal sobre a reclamação”. Veja-se que isto, em rigor, seria quase a mesma coisa que o processo de dúvida, com a diferença que não haveria objeção registral, mas impugnação de terceiro. Acrescenta Ademar Fioranelli, e com boas razões, que, fosse preservada a prenotação, o pedido de pronunciamento judicial exigiria demarcação no tempo, uma vez que, de não ser assim, a prenotação manteria eficácia perpétua.