(da série Registros sobre Registros, n. 261)
Des. Ricardo Dip
938. O processo de registro especial de parcelamento, nos termos do que prevê a Lei brasileira 6.766, de 1979, tem início, como visto, com a apresentação dos títulos alistados em seu art. 18, títulos estes que devem ser objeto de prenotação no livro 1 do ofício imobiliário competente, sucedendo-se a autuação de todos os documentos, numerando-se e rubricando-se as folhas dos autos assim formados.
Após isso, caberá ao oficial do registro de imóveis a qualificação desses títulos, só se passando à etapa de comunicação do processo registral à prefeitura do município em que situado o prédio se a documentação for “encontrada em ordem” (caput do art. 19 da Lei 6.766). Se, diversamente, houver exigências saneadoras a cumprir pelo solicitante do registro, os títulos devem ser-lhe devolvidos com os motivos da recusa, atendendo-se, portanto, ao que dispõe o art. 198 da Lei 6.015, de 1973 −“Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. (…)”−, propiciando-se a possibilidade de requerimento para a suscitação de dúvida. Bem observaram Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei que o exame qualificador dos títulos abrange seus aspectos subjetivo (legitimação do requerente), objetivo (a aptidão do objeto predial) e formal (integralidade dos documentos arrolados no art. 18 da Lei 6.766 e sua regularidade −o.c., p. 310-312).
Na hipótese de a qualificação registral dos títulos ser positiva −ou ainda na de, negativa, ser eventual dúvida julgada improcedente−, o oficial do registro imobiliário deverá destinar comunicação à prefeitura (comunicação que é receptícia, de maneira que exige prova de sua entrega regular à destinatária) e fazer publicar, “em resumo e com pequeno desenho da localização da área” (caput do art. 19 da Lei 6.766), edital que dê publicidade ao pleito de inscrição especial do parcelamento. Esse edital deve ser publicado por três dias consecutivos, distinguindo a lei sobre os veículos de sua divulgação: se o imóvel estiver situado em capital −o que é de compreender o Distrito federal também−, o edital publicar-se-á no diário oficial e em um jornal de circulação diária; nos demais municípios, contudo, a veiculação deve fazer-se em jornal local ou, se não houver, em jornal regional (§ 3º do mesmo art. 19).
Considerando-se por termo a quo a data da última publicação desse edital, fruirá prazo de 15 dias para eventual impugnação ao pedido de registro especial do parcelamento (caput do art. 19 da Lei 6.766). Transcorrido in albis esse prazo, o registro deve lavrar-se de imediato (“… será feito imediatamente o registro” −primeira parte do § 1º do art. 19), ou seja, sem mediação de diligências instrutórias. Assinale-se que, a despeito dessa indicação legislativa de imediatidade do registro quando não haja impugnação tempestiva, admitem Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei provocação diretamente dirigida ao juízo administrativo competente (que até poderia atuar ex officio, p. 328-330). Isto é certamente controverso: ainda as corregedorias possam (e devam) fiscalizar os registros −incluso propter officium−, coisa diversa, assim parece, é que possam concorrer com o que a lei, formalmente, atribui a iniciativa de terceiro; se a normativa de regência dá expressa legitimidade a terceiros para, em prazo determinado, impugnar o pedido de registro especial do parcelamento, não aparenta caiba ao juízo administrativo intervir, no curso do processo registral, para suspender ou inibir a inscrição, sem prejuízo de que, em via própria, possa depois cancelar-se, só por eventual nulidade absoluta e com resguardo do contraditório, o ato registral positivo que se houver praticado; ad summam, a devida forma jurídica é também direito dos particulares. A propósito, Sérgio Frazão do Couto ensina que o prazo para a impugnação do pleito de registro é decadencial, de modo que, assim o diz, “após transcorrido, não há possibilidade de se apresentar qualquer impugnação, seja a que pretexto for, perante o Oficial do Registro de Imóveis”, de que segue caber “ao que se julgar prejudicado, sem ter apresentado impugnação opportuno tempore, recorrer às vias judiciais ordinária, para reclamar direitos porventura existentes” (Manual teórico e prático do loteamento urbano, 1981, p. 210-2110.
Se, diferentemente, houver impugnação do pedido, deve o oficial do registro imobiliário intimar o solicitante e a prefeitura municipal (ou o Distrito federal, quando o caso), para manifestação em cinco dias (segunda parte do mesmo § 1º do art. 19 da Lei 6.766); não se dando manifestação sobre a impugnação apresentada, o registrador deverá, nos termos da lei, arquivar os autos do processo (i.e., rejeitará a inscrição pretendida e manterá, em cartório, autuados, os títulos oferecidos). Respondendo-se, ao revés, à impugnação, caberá a remessa dos autos ao juízo administrativo competente (é dizer, segundo o que é entendimento prevalecente, o juízo da corregedoria permanente ou o da diretoria do fórum, de acordo com as normas organizatórias locais). Saliente-se que podem a impugnação e as contrarrazões que lhe correspondam vir acompanhadas de documentos novos, mas não compete ao oficial do registro imobiliário determinar dilação instrutória, faltando-lhe os poderes próprios da atividade jurisdicional; tanto que se apresentem as manifestações opostas à impugnação, devem os autos do processo de registro ser remetidos ao “juiz competente para decisão” (uma vez mais: o corregedor permanente ou o direito do fórum, segundo assim preveja a normativa de organização judiciária; e tanto mais se acentua que seja o juiz administrativo quanto se veja ao fim do § 2º do art. 19 da Lei 6.766 referência ao encaminhamento da questão às vias ordinárias −é dizer, jurisdicionais, contenciosas− “caso a matéria exija maior indagação”).
A intercorrência de judicialização do processo de registro especial do parcelamento (§ 1º do art. 19) é também ocasião de que intervenha o Ministério Público −com prazo de cinco dias para falar aos autos−, sobrevindo a possibilidade de o juiz decidir “de plano ou após instrução sumária” (§ 2º do mesmo art. 19), rendendo-se ensejo à remessa da questão às vias jurisdicionais (“vias ordinárias”), quando se tratar de matéria de “maior indagação” (scl., a matéria que se tenha de “alta indagação”, mormente de fato, incompatível com a ideia de “instrução sumária” prevista na lei.
Dada a relevância social dos parcelamentos, a normativa de regência não somente estatui penalidade pecuniária −de dez vezes o valor dos emolumentos correspondentes ao registro em pauta−, mas acena ainda a sanções penais comuns e administrativo-penais (§ 4º do art. 19 da Lei 6.766).
Por fim, concluído positivamente o processo de registro especial do parcelamento urbano, deve o oficial imobiliário realizar nova comunicação à prefeitura, encaminhando-lhe certidão do ato registral praticado (§ 5º do referido art. 19).
Assim, a prefeitura municipal, além da prévia aprovação do projeto de loteamento ou desmembramento do solo urbano, cuja prova deve instruir o pedido de registro especial (art. 18 da Lei 6.766), deve receber a comunicação do pleito em curso (caput do art. 19) e do oferecimento de eventual impugnação, para que se manifeste a propósito, dentro em cinco dias (§ 1º do art. 19). Para mais, há entendimento adotado na via da justiça administrativa no sentido de que outra comunicação caberá ainda destinar-se à prefeitura quanto ao tema do parcelamento: é a que diz com a falta de apresentação do termo de verificação e entrega de obras (cf., neste sentido, os Vicentes, p. 343, e o item 187.1 do cap. XX das extensíssimas normas editadas pela Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo).