Bem de família (nona parte)

         No Código civil brasileiro de 1916, a solvência do instituidor era um requisito essencial para o exercício do direito de adquirir-se a imunidade executória do bem de família.

          De isto ser assim não segue, entretanto, deva reclamar-se a prova dessa solvência para o registro constitutivo do bem de família: essa prova não se exige e é mesmo desnecessária, porque, como o disse Ademar Fioranelli, a impenhorabilidade resultante do bem de família não abrange dívidas prévias a sua constituição. O bem de família, pois, é só relativamente impenhorável, porque pode constranger-se em execução que tenha por objeto créditos anteriores a sua instituição.

          Tenha-se em conta o que dispõe o caput do art. 1.715 do atual Código civil brasileiro, pois que “o bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio ou de despesas de condomínio”. Nosso anterior Código civil, o de Clóvis Beviláqua, previa duas hipóteses excepcionais quanto à isenção da penhora incidente sobre bem de família: uma, quanto aos impostos relativos ao prédio (art. 70; assinale-se que a norma atual fala mais amplamente em tributos), e outra, concernente às dívidas anteriores à instituição.

          Carvalho Santos, comentando uma regra do Código processual civil brasileiro de 1939 (inc. II do art. 649), sustentou que o fato de um prejudicado com a instituição do bem de família não apresentar reclamação tempestiva (i.e., no trintídio a que se referia a lei) não levava ao perdimento do “direito de fazer penhorar o bem de família, se a sua dívida era anterior à instituição”, não só porque a solvência do instituidor era (como ainda o é) um requisito da constituição do bem de família, mas, além disso, porque a instituição não repercutiria (nem ela agora reflete) sobre dívidas precedentes: “é lícito ao credor de dívidas anteriores (disse Carvalho Santos) penhorar o bem de família independentemente de qualquer ação de anulação da instituição (…), por isso que a isenção só se refere a dívidas posteriores ao ato”.

          A Lei brasileira n. 6.015/1973, na linha das regras estabelecidas com o Código processual de 1939 (regras que se mantiveram em vigor com o Código de processo civil de 1973: vidē o inc. VI do art. 1.218 do Cód.pr.civ. de 73), conservou o processo de instituição do bem de família, ensejando a oportunidade de reclamação de eventuais credores (arts. 262 et sqq. da Lei n. 6.015), de modo que não compete ao registrador exigir a dispendiosa prova do status de solvência (com a apresentação de certidões civis, incluindo trabalhistas, e penais, das justiças estadual, ou distrital, e federal, além de certidões relativas a protestos); reitere-se: não cabe ao registrador exigir prova do estado de solvência do instituidor do bem de família, até porque eventuais credores por dívidas antecedentes a sua constituição não se lesam pelo registro posterior do bem de família e sequer necessitam valer-se de ação pauliana para obter a penhora do imóvel sobre o qual recaia a instituição, pois esta “não produzirá efeito com relação aos credores anteriores” (Carvalho Santos).