Bem de família (quarta parte)

           Como se dá o processo de registro do bem de família?

           Entre nós, a matéria vem tratada nomeadamente nos arts. 260 a 265 da Lei brasileira n. 6.015/1973.

          Compete ao registrador de imóveis, primeiro, a prenotação do título no livro n. 1 (livro do protocolo), passando, então, a aferir observância dos indicativos gerais e especiais do título e a de sua harmonia com os requisitos registrais; ou seja, trata-se de escritura pública ou de testamento (elementos gerais)?, mostra-se formalmente idôneo (supostos especiais)?, afeiçoa-se à consecutividade, à especialidade registral, etc.?

          Cabe ao registrador verificar se o instituidor declarou, no título, que o bem objeto não ultrapassa a terça parte de seu patrimônio líquido (art. 1.711 do Cód.civ.). Apesar de não competir ao registrador o controle do fato dessa valoração, deve a declaração do instituidor constar obrigatoriamente do título. Em lição relativa aos testamentos ordinários, Rosa Nery e Nelson Nery ensinaram muito acertadamente que “a lei distingue entre fato e menção”, porque “são coisas diferentes os fatos terem acontecido e serem mencionados” ꟷisto se encontra no vol. VI das Instituições de direito civil).

          Também deve constar do título a afetação especial do imóvel à moradia permanente dos favorecidos: “domicílio familiar” ꟷart. 1.712 do Cód.civ.; o “abrigo para a família”, na expressão de Carvalho Santos; a ideia mesma que, à origem texana, lá na primeira metade do século XIX, justificou o homestead.

          Assinale-se, a propósito, que, ao tempo em  que vigorava o Código civil brasileiro de 1916, Eduardo Espínola, criticando a localização do instituto na parte geral do Código, invocou a opinião de seu principal idealizador, Clovis Beviláqua, para quem o bem de família concerne a “uma relação jurídica de caráter particular, e não de um elemento de direito, nem de um preceito de caráter geral”. E assim rematava Clovis Beviláqua: “Na parte especial, o seu ponto mais conveniente seria no Direito de Família aplicado”. Deve concluir-se, pois, que a referência explícita quanto à afetação singular do imóvel à garantia da residência familiar é requisito essencial do título para a constituição do bem de família.

          Como já se indicou, a instituição do bem de família voluntário ou facultativo exige “escritura pública ou testamento” (caput do art. 1.711 do Cód.civ.bras.), e, a propósito, a doutrina predominante (p.ex., Ademar Fioranelli, Ari Alvares Pires Neto, Arnaldo Rizzardo, Rosa Nery, Ulysses da Silva, Vitor Kümpel-Carla Ferrari) não tende a admitir, neste passo, a incidência do disposto no art. 108 do Código civil para admitir a instrumentação privada (“Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”).  Parece, efetivamente, mais fundado o afastamento da exceção prevista na regra geral (a do art. 108 do Cód.civ.) uma vez que a exigência da escritura pública exatamente se preceituou sub modo speciali na norma do referido art. 1.711 do Código.

          Prosseguiremos no tema.