“O judiciário se fez reconhecer como um espaço próprio de homens brancos e heterossexuais, o que não reflete a diversidade da sociedade”

“O judiciário se fez reconhecer como um espaço próprio de homens brancos e heterossexuais, o que não reflete a diversidade da sociedade”

Presidente da Comissão de Igualdade de Gênero do TJ/PR, desembargadora Maria Aparecida Blanco de Lima fala sobre a evolução no Judiciário na inclusão de minorias

Natural de Campo Grande (MS), desembargadora Maria Aparecida Blanco de Lima iniciou o contato com o mundo jurídico no Paraná, ao se formar em Direito na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), na turma de 1975. Pós-graduada em Sociologia Política e mestra em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), a desembargadora advogou na capital paranaense até sua aprovação em concurso público para a magistratura, onde ingressou, em dezembro de 1980, como juíza substituta na Comarca de Foz do Iguaçu. Em março de 2002, passou a exercer as funções de juíza de Direito substituta de Segundo Grau, sendo promovida por merecimento para o cargo de desembargadora em 23 de março de 2007.

Desembargadora Maria Aparecida de Lima integra a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), especializada em Direito Público. Representante do TJPR no Programa SOS Racismo da Secretaria de Estado da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos do Estado do Paraná, também atua na Comissão Estadual da Verdade. Em março deste ano, foi convidada pelo presidente do TJPR, desembargador José Laurindo, a presidir a Comissão de Igualdade de Gênero – aprovada pelo Órgão Especial do Tribunal. Em entrevista exclusiva à Associação de Notários e Registradores do Estado do Paraná (Anoreg/PR), a desembargadora fala sobre as mudanças feitas no judiciário paranaense para a inclusão de minorias, e sobre os projetos da Comissão para alcançar a igualdade de gênero no estado.

Confira abaixo a entrevista na íntegra.

 

Anoreg/PR – Como avalia a igualdade de gênero na sociedade nos tempos atuais? 

Maria Aparecida Blanco de Lima – Historicamente, a nossa sociedade convive com a desigualdade de gênero em função da divisão de papéis entre mulheres e homens, derivada da estrutura patriarcal da família tradicional. Então, algumas tarefas, funções, posições e direitos foram consideradas como exclusivos do sexo masculino e outras do sexo feminino. Hoje em dia, as mulheres já conquistaram a igualdade em relação ao voto, por exemplo, mas ainda encontram dificuldades no que se refere ao acesso aos postos de decisão e de representação política. E no âmbito familiar, a igualdade de direitos e responsabilidades entre marido e mulher, filhos e filhas ainda não se faz presente, embora já se enxergue avanços importantes e animadores! É necessário registrar que estes avanços não contemplam na mesma intensidade as mulheres negras e pobres.

Anoreg/PR – Em março deste ano, foi aprovada pelo Órgão Especial do TJPR a instituição da Comissão de Igualdade de Gênero no âmbito do judiciário estadual, presidida pela senhora. Qual é o principal objetivo da Comissão?

Maria Aparecida Blanco de Lima - A criação da Comissão de Igualdade de Gênero decorre da pressão que as magistradas brasileiras e os movimentos feministas exerceram sobre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o qual sob o comando da ministra Cármen Lúcia editou a Resolução nº 255, de 04/09/2018, que deu início aos estudos e projetos para ampliação da participação feminina no judiciário. O objetivo geral da Comissão é fomentar o equilíbrio de oportunidades entre gêneros nas unidades do Tribunal; propor diretrizes e mecanismos que orientem a Corte a atuar para incentivar a participação das mulheres nos cargos de chefia e assessoramento, em bancas de concurso e como expositoras em eventos institucionais e acompanhar o cumprimento da Resolução nº 255/2018 do CNJ. Como é quase impossível dissociar a desigualdade de gênero nos espaços de trabalho das demais discriminações e preconceitos presentes na sociedade brasileira, a Comissão passou a chamar-se “de Igualdade e Gênero” e assim obter legitimidade para atuar nas questões raciais, LGBTQI +, assédio moral e sexual, e demais entraves ao exercício pleno de direitos.

Anoreg/PR - Como foi feita a composição da Comissão? 

Maria Aparecida Blanco de Lima - Para a composição inicial da Comissão o presidente desembargador José Laurindo convidou pessoas já comprometidas com a causa para começar os trabalhos, detalhar as principais diretrizes, sendo que uma delas estabelecia que a composição da Comissão deveria envolver magistradas e magistrados, servidores e servidoras identificados com a eliminação das desigualdades, das suas causas e de seus efeitos nocivos às carreiras profissionais e com a prestação jurisdicional.

Anoreg/PR - Conforme determina o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5, que integra a Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), é preciso estabelecer metas para alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. Acredita que essas metas estão sendo cumpridas? De que forma?

Maria Aparecida Blanco de Lima - Acredito que alguns passos importantes neste sentido estão sendo dados pelo CNJ e pelo nosso Tribunal. Aqui no Paraná, antes mesmo do início das atividades da Comissão, o decreto judiciário que instituiu a Comissão de concurso público para ingresso na magistratura já apresentava paridade de gênero em sua composição. A Comissão já está trabalhando na identificação de entraves ao atingimento das metas e em medidas que os reduzam, tanto nos concursos públicos, processos de recrutamento de servidoras e servidores comissionados ou contratação de prestadores e prestadoras de serviços terceirizados, como nas avaliações para promoções e progressões funcionais.

Anoreg/PR – O judiciário é historicamente composto por mais homens do que mulheres. O que se pode esperar da Comissão em termos de igualdade no judiciário paranaense?

Maria Aparecida Blanco de Lima - De fato, conforme indicam as pesquisas do CNJ, o judiciário se fez reconhecer como um espaço próprio de homens brancos e heterossexuais, o que não reflete com fidelidade a diversidade da sociedade contemporânea e acaba concentrando uma parcela significativa de poder nas mãos de uma única categoria de cidadãos. Esta situação vem se modificando nas últimas décadas com a ampliação das oportunidades de acesso da população pobre e negra ao ensino universitário, mas ainda não atinge satisfatoriamente as instâncias e tribunais superiores.

A Comissão entende que é necessário conhecer os fatores que freiam a ascensão funcional de mulheres, pessoas negras, indígenas ou integrantes de grupos sub-representados, para estudar, discutir e propor a adoção de normas e comportamentos que minimizem ou eliminem tais entraves. Só assim chegaremos a um estado de igualdade de oportunidades e de melhor aproveitamento do talento, conhecimento e capacidade de trabalho das pessoas que se colocam a disposição do TJPR.

Anoreg/PR – As centrais eletrônicas dos Cartórios podem atuar no levantamento de dados que apontem desigualdades entre homens e mulheres. A iniciativa pode ser útil para fomentar denúncias e gerar indicadores para políticas públicas?

Maria Aparecida Blanco de Lima - Sim, será muito útil contar com informações precisas e confiáveis para dar consistência e credibilidade às ações que denunciam a desigualdade de gênero, bem como a formulação de políticas públicas que a combatam. Para tanto, será fundamental estreitar o contato com as entidades representativas do setor para que, pensando enquanto Comissão, possamos conhecer melhor os recursos, ferramentas e informações que as centrais eletrônicas dispõem.

Fonte: Assessoria de Comunicação – Anoreg/PR