Ata de notoriedade: ordinariamente, o valor e a importância jurídica das atas notariais assenta em que seu narrador –o tabelião– afiance, propter officium, a exatidão e a integralidade de fatos sensíveis que ele haja captado por suas próprias potências receptoras externas (mais exatamente, por sua visão e sua audição – de visu et auditu suis sensibus).
Pode, entretanto, dar-se o interesse social (e, em particular, jurídico) de que, em caráter excepcional, venha a admitir-se afirme o notário a notoriedade de um fato não captado por ele próprio de maneira direta e sensória. E esse fato –embora, como se disse, não seja objeto de captação sensível pelo notário– deve ser conhecido por uma dada generalidade das pessoas que vivam em dado lugar ou em determinado grupo. Deve tratar-se, pois, de um fato notório, mas o notário, sublinhe-se, afirma não esse fato notório, senão que a notoriedade desse fato, ou seja, seu relativo domínio público.
Assim, a matéria própria da ata é a notoriedade de um fato e não um fato qualificado por sua notoriedade. Ou, em outras palavras: tem essa ata por objeto o fato da notoriedade de um fato, o fato do conhecimento (relativamente) público de um fato. Observe-se, contudo, que deve tratar-se da notoriedade de um fato sensível restrito ao âmbito da fé pública notarial, não se admitindo, pois, a ata de notoriedade para afiançar a notoriedade de algo que não seja um fato suscetível de captação pela visão e audição do notário: p.ex., não cabe ata de notoriedade para afirmar um princípio intelectual evidente (assim, o de ser notório que o todo seja maior do que a parte ou o da existência da causalidade); nem pode expedir-se ata de notoriedade para acolher fato sensível captável por potências externas diversas da visão ou audição (v.g., o fato notório do bouquet ou do sabor de determinado vinho). Controversa na doutrina, além disso, é saber se a ata de notoriedade pode ter por objeto a notoriedade de um fato que, relativamente notório em geral embora, tenha sido também captado sensivelmente pelo notário (contra essa possibilidade, p.ex., Gomá Salcedo), porque então se estaria diante de uma ata de presença.
Que é a notoriedade?
O termo notoriedade –abstrato lógico da noção de notório– significa a qualidade do que é de conhecimento certo e público; qualidade de conhecimento de algo que é de domínio público.
A notoriedade não se confunde com a evidência, embora muito se acerquem seus conceitos. Sem embargo, há situações extremas em que a evidência é de tal claridade que não se permite recusar-lhe a notoriedade. Excursionemos aqui, para termos um exemplo pertinente, sobre o caso da lapalissada: ou seja, um caso em que se avista algo extremamente óbvio. A remissão histórica da lapalissada é à figura de Jacques II de Chabanes –conhecido por Jacques de la Palice ou de la Palisse (de onde adveio a palavra francesa lapalissade); Chabanes foi um nobre e militar francês (1470-1525) muito popular junto à soldadesca, e a cuja morte sucedeu que se compusessem várias canções militares a seu respeito, uma das quais continha estes versos: "S’il n'était pas mort il ferait envie" (se ele não estivesse morto, provocaria inveja); acontece que esse verso se deformou pelo vulgo, passando a cantar-se "s'il n'était pas mort il serait en vie"(se ele não estivesse morto, estaria vivo). A evidência dessa frase é extremadamente manifesta, e um certo Bernard (ou Jacques) de la Monnoye, tempos depois, saiu-se com uma canção reportada ao mesmo Jacques de la Palisse, na qual canção se ouvia: "Un quart d'heure avant sa mort, il était encore en vie" (um quarto de hora antes de sua morte, ele ainda estava vivo); “le jour de son trépas fut le dernier de sa vie" (o dia de sua morte foi o último de sua vida); “Il mourut le vendredi, le dernier jour de son âge” (ele morreu numa sexta-feira, o último dia de sua vida). Pois bem aí se entende que coisa é uma lapalissada, a evidência óbvia, ululante.
Correspondendo a evidência ao brilho ou claridade do que ostenta luminosidade, evidente, de maneira própria, é algo que –na realidade das coisas ou na realidade pensada– se apresenta à inteligência de modo claro e inequívoco, dando-se, então, o quadro de o predicado atribuir-se necessariamente ao sujeito de uma determinada proposição. Todavia, nem sempre essa evidência é geral (evidência quoad se); tomemos aqui um exemplo: para um estudioso da matemática, o teorema de Pitágoras é evidente (evidência quoad nos), qual o que enuncia, nos triângulos retângulos, equivaler a soma do quadrado dos catetos ao quadrado do comprimento da hipotenusa; mas isso não é evidente para quem não tenha alguma ciência da matemática. Assim, o evidente pode não ser notório (i.e., de domínio público), quando sua claridade se estime apenas quoad nos.
Cabe ainda aprofundar uma discriminação entre o conceito de fato notório e a noção de notoriedade do fato propício à ata notarial. De Plácido e Silva, p.ex., indicou ser fato notório “o acontecimento que não pode nem deve ser desconhecido, pela divulgação e publicação tidas”, que, por isso, não precisa ser provado. Mas se assim é, a ata seria despicienda na espécie da notoriedade?
É o que veremos a seguir.