(da série Registros sobre registros n. 193)
Des. Ricardo Dip
787. Conforme já ficou indicado, o arresto pode ser, no processo judicial, medida de cautela antecedente ou medida incidental.
É rotineiro designar-se como preparatória a medida antecedente, mas já Lopes da Costa impugnara este uso, e a seus argumentos pode mesmo juntar-se, para a hipótese do arresto, a circunstância de que, antecedente ou incidental, o arresto sempre tem caráter preventivo e, pois, preparatório de outra medida constritiva: a penhora.
788. O vigente Código brasileiro de processo civil alista o arresto entre as medidas provisórias de caráter cautelar, sob um dos modos da tutela de urgência, cabendo observar que o novo Código abdicou de estabelecer um livro próprio para o processo cautelar e as medidas específicas de cautela, livro que havia no Código processual civil de 1973 (cf. arts. 708 et sqq.).
Versa o Código de 2015 a tutela de urgência, de maneira especial, em seus arts. 300 a 310, a que se adicionam as regras gerais –é dizer, aplicáveis à outra espécie de tutoria provisória (ou seja, a tutela de evidência: art. 311)–, regras gerais estas previstas nos arts. 294 a 299.
O gênero das tutelas provisórias, segundo o figurino adotado pelo Código, apresenta, assim, duas espécies: a tutela de urgência e a tutela de evidência (cf. caput do art. 294), e aquela, a tutoria de urgência subdivide-se em tutela provisória de urgência cautelar e em tutela provisória de urgência antecipada, esta última destinada a antecipar os efeitos perseguidos com a sentença de mérito, ao passo em que a tutoria de urgência cautelar visa apenas à garantia da utilidade do pleito principal. De toda a sorte, urgência antecipada ou urgência cautelar, uma e outra dessas tutelas possuem sempre algo de cautelaridade, tal o observou muito bem Eduardo Arruda Alvim, ao ensinar que o núcleo em comum destas medidas está em que têm elas “a finalidade primeira de garantir uma prestação jurisdicional efetiva, impedindo que o tempo de duração do processo possa comprometer a efetividade da atuação jurisdicional”.
Traço comum das tutelas de urgência é o da indicação de “elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo” (caput do art. 300 do Cód.pr.civ. de 2015), ao passo em que a tutela de evidência não reclama “demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo” (caput do art. 311).
789. O arresto, como ficou sobredito, é medida tutorial de urgência cautelar, nos termos do que dispõe o Código de processo civil em vigor (art. 310), e pode conceder-se até mesmo ex officio (caput do art. 297), admitindo-se ainda que se defira de modo liminar ou após justificação prévia (§ 2º do art. 300).
Postulado que o seja em caráter antecedente (art. 305 do Cód.pr.civ.), processa-se judicialmente o arresto com a citação do requerido para que, no prazo de cinco dias, conteste o pedido e indique provas que tenha a pretensão de produzir (art. 306). Se houver contestação, cabe a observância sequente das regras do procedimento comum (par.ún. do art. 307, e a remissão é aos arts. 318 et sqq.); na hipótese de configurar-se a revelia, o juiz decidirá o pleito em cinco dias (caput do art. 307).
Com a apreensão dos bens arrestados, designa-se depositário, nos termos do que dispõe o art. 159 do Código de processo civil (“A guarda e a conservação de bens penhorados, arrestados, sequestrados ou arrecadados serão confiadas a depositário ou a administrador, não dispondo a lei de outro modo”), efetivando-se a medida de arresto, de ordinário, por meio de mandado a cumprir-se por oficial de justiça (art. 154: Incumbe ao oficial de justiça: I- fazer pessoalmente citações, prisões, penhoras, arrestos”).
Com a efetivação do arresto –mediante, pois, a apreensão e o depósito dos bens arrestados– passa a correr o prazo de 30 dias (art. 308 do Cód.pr.civ.) para que o autor desfie a conexa demanda principal (inc. I do art. 309), sob pena de cessação da eficácia da tutela de urgência (caput do art. 309). A propósito, o Superior Tribunal brasileiro de Justiça possui entendimento sumulado no sentido de que “a falta de ajuizamento da ação principal no prazo (…) acarreta a perda da eficácia liminar deferida e a extinção do processo cautelar”.
O tema, neste passo, comporta uma interessante discussão para o âmbito registral: uma vez inscrito o arresto, o perdimento de sua eficácia pela falta de propositura tempestiva da demanda principal exigiria mandado judiciário para averbar-se seu cancelamento no registro de imóveis ou, em vez disto, poderia o arrestado, juntando certidão negativa do cartório do distribuidor ou mesmo do ofício judicial competente para o processamento da ação principal, solicitar de maneira direta a averbação do cancelamento? Parece possível juridicamente que a pretensão se veicule pelo próprio arrestado, porque a perda da eficácia da tutela, neste quadro, dá-se ipso facto ou mais exatamente ipsa inertiā, sem que a lei de regência indique de modo expresso a dependência de decisão judiciária; há um argumento adicional que se pode extrair da circunstância de que, prevista no inciso I do art. 309 do Código de processo civil a cessação da eficácia da tutela se o autor não deduzir tempestivamente o pleito principal, já, na parte final do inciso III do mesmo art. 309, consta outro motivo de cessação dessa eficácia, qual seja o da extinção processual sem resolução de mérito (aqui, sim, reclamando-se, pois, provimento judicial, que, ali, no inc. I do art. 309, não se indicou). Mas, convenha-se a matéria é controversa.
Cabe também a medida de arresto como incidente da via executória, tal o prevê o art. 830 do Código de processo civil. Dá-se seu suposto quando o oficial de justiça não encontrar o executado, arrestando-lhe, então, quantos bens bastem para garantir a execução. Após diligências intercorrentes (§ 1º do art. 830), incluída a citação do executado –o que pode efetivar-se de modo pessoa, com hora certa ou por via de editais (§ 2º do art. 830), se não houver pagamento do débito no prazo de três dias (art. 829) ou não sendo aceita a nomeação de bens à penhora, nesta última se converterá o arresto, “independentemente de termo” (§ 3º do art. 830).
Quanto à inscrição imobiliária do arresto, dispõe o art. 844 do Código de processo civil que, “para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, cabe ao exequente providenciar a averbação do arresto ou da penhora no registro competente, mediante apresentação de cópia do auto ou do termo, independentemente de mandado judicial”.
Um aspecto merece particular atenção neste quadro: é o do confronto desta regra processual com a do item 5º do inciso I do art. 167 da Lei 6.015, de 1973, porquanto indica esta última caber o registro stricto sensu do arresto, ao passo em que o art. 844 do Código processual de 2015 preceitua a averbação da medida. Ainda que, doutrinariamente, melhor seria prever-se para o arresto o registro em sentido estrito, parece prevalecer a orientação de que a lei posterior (neste caso, o Código de processo civil) tenha eficácia modificativa da apontada regra da Lei 6.015. Há espaço para uma boa discussão, porque a lei de registros é lei especial. O que aparenta inclinar em favor da aplicação do Código, neste aspecto, é de todo anódino do ponto de vista doutrinal: a averbação levaria a menores custos financeiros para os usuários.