Abertura de Rua

Modo simplificado e predominante de falar, a abertura de rua (ou de praça, avenida, alameda, etc.), na terminologia que visita a prática registral, corresponde à averbação, na matrícula ou à margem da transcrição de dado imóvel, da existência jurídica de uma via pública, independentemente de sua implantação de fato.

Seu suposto primeiro é a oficialidade jurídica dessa via, equivale a dizer, seu caráter de espaço público, por inadmissível o averbamento no ofício predial da existência de vias particulares. Daí que a documentação idônea a essa averbação seja o certificado expedido pela administração pública a que corresponda admitir-lhe a existência jurídica.

Assim, entende-se de três modos a abertura de rua: (i) o factual, em que se diz implantada fisicamente a via pública; (ii) o do reconhecimento jurídico de que, em determinado lugar, há um espaço público; (iii) a averbação desse reconhecimento jurídico da via pública no registro de imóveis, o que pode corresponder a um desfalque ou segregação de área ou a um limite ou confinância de dado prédio.

Averba-se, pois, para a regular observância da especialidade imobiliária, quer no plano qualitativo (figura), quer no quantitativo, quer, enfim, para a aferição do local circunscritivo do imóvel (ubi predicamental). Disso resulta a necessidade de que a documentação apresentada ao registro contenha elementos idôneos para que o registrador afira a localização, a quantidade e a figura do espaço público dentro ou no linde do imóvel objeto da transcrição ou da matrícula, permitindo-se, quando o caso de averbação de desfalque, o controle da disponibilidade do prédio influído. Exige-se, pois, que essa documentação oficial enuncie a descrição da via pública em sua figura e medidas de contorno (: perímetro) e superfície —ao menos na parte que deva refletir desfalque ou alteração de confrontos no imóvel objeto da matrícula ou transcrição a que se dirige o averbamento; além disso, é indispensável que se localize a via pública dentro no todo do imóvel por ela influído.

Não se confunde a averbação de abertura de rua com a de alteração “dos nomes dos logradouros, decretados pelo poder público” (item 13 do inc. II do art.167 da Lei 6.015), submetida aquela ao princípio da rogação ou instância, ao passo que ao averbamento da mudança oficial dos nomes das vias públicas procederá o registrador motu proprio. O pleito é, de comum, destinado diretamente ao registrador, ressalvada a necessidade de, quando se der a míngua de elementos idôneos bastantes na documentação apresentada, realizar-se apuração judicial –administrativa ou contenciosa (art. 212, caput e par.único, da mesma Lei 6.015)– relativa ao desfalque de área ou aos novos lindes do imóvel com a abertura da via pública.

A exigência do averbamento de abertura de rua diz respeito, sobretudo, à relação de regularidade com os vindouros títulos inscritíveis (§ 2º do art. 225 da Lei 6.015/1973: “Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior”), porque não se pode mencionar nesses títulos espaço público que se diga aberto no imóvel ou em sua confrontação, sem que essa circunstância conste já do registro anterior.

A averbação de abertura de ruas não é instrumento para fraudar as normas sobre o parcelamento do solo urbano. Desde a vigência da Lei 6.766/1979 (de 19-12), tem-se que há loteamento com “a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes” (§ 1º do art. 2º). Essa abertura de novas vias ou o prolongamento, modificação ou ampliação das já existentes é o que distingue, aliás, o loteamento no confronto com outra espécie de fragmentação do solo: o desmembramento, que se constitui pela “subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes” –§ 2º do art. 2º da mesma Lei 6.766). Não será a designação errônea com que se expeçam os decretos relativos a novas vias públicas que resolverá, por sua só letra, o discrimen entre o loteamento e o desmembramento, matéria entregue, isto sim, segundo a realidade das coisas, à prudente qualificação do registrador de imóveis.

Questão diversa –e tampouco isenta de problemas na prática registral– é a de abertura de vias públicas anteriormente à eficácia da Lei 6.766/1979, porque, àquela altura, o Decreto-lei 58/1937 (de 10-12) apenas subordinava à sua normativa os casos de terras rurais ou terrenos urbanos destinados à venda, “divididos em lotes e por oferta pública, mediante pagamento do preço a prazo em prestações sucessivas e periódicas” (art. 1º).

Antes da vigência da Constituição federal brasileira de 1988, não faltou que se entendesse pudesse o poder público requerer diretamente ao registrador a averbação de abertura de ruas, ressonante em matrícula ou transcrição de imóvel particular e, pois, realmente, nesse próprio imóvel, à margem de assentimento de seu proprietário, com o argumento –de todo controverso– de que a área ocupada pela via pública passara a integrar o domínio público por sua destinação ao uso comum do povo. A tese, que era duvidosa até mesmo antes da eficácia desse Código político vigente –bastando ver o que já dispunham os arts. 15 e 29 do Decreto-lei 3.365/1941 (de 21-6)— e parecia propender a uma astigmática visão administrativista do sistema registrário, não se compagina com a normativa constitucional de 1988 (brevitatis causa, item LV do art. 5º: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”), além de enfrentar a própria teleologia do registro, conflitando com a idéia de segurança jurídica que o preside e norteia.